Ariane Braga, Loraynne Araujo e Natália Macedo*
Toda mulher, independente da classe social, cor e idade, já sofreu algum tipo de violência. Elas são médicas, donas de casas, atrizes, modelos, enfermeiras, advogadas, domésticas, estudantes, etc, e, inclusive, nós, jornalistas. Por isso, as três repórteres do Edição do Brasil se uniram para contar suas histórias. Deixamos de ser narradoras para nos tornamos personagens desta matéria:
“A situação que mais me marcou – esta é a primeira vez que falo sobre o assunto e, ao escrever, não contive as lágrimas – foi quando tinha apenas 13 anos. Uma amiga havia me convidado para ir a um casamento. Ela estava bem ansiosa para a data, pois o seu padrinho, que na época deveria ter 40 anos, ia visitá-la. Após a cerimônia, ele fez questão de nos dar carona para a festa. Durante o trajeto, conversamos sobre diversos assuntos quando ele, de repente, parou o carro.
– Nossa, tenho uma sobrinha maravilhosa! – Disse, beijando o rosto da minha amiga.
– Eu também gosto muito de você, tio!
– Gosto também da amiga da minha sobrinha.
Quando dei por mim, aquele homem estava segurando a minha cabeça, tentando me dar um beijo na boca e passando a mão na minha coxa. Ainda me recordo que ele fedia a cigarro. A minha amiga, apesar da pouca idade, percebeu o que estava acontecendo e resolveu intervir:
– Tio, o que é isso? Vou ligar para os meus pais.
Após isso, ele me largou.”
“O “não” nunca foi bem compreendido pela maioria dos garotos e jovens com quem esbarrei. Eu tinha 12 anos, era Carnaval. Eu não saia muito e um dia decidi ir com amigas para um trio elétrico. Enquanto dançávamos, um grupo de rapazes se aproximou, ignoramos, eles ficaram bravos e um deles me pegou pelo braço e me agarrou… Eu disse não, o empurrei. Ele ainda insistiu e me beijou a força. Saí correndo, sem olhar para trás. Resultado, esse foi o meu segundo beijo. Na época, não se conversava muito sobre isso e a culpa seria minha, pois eu estava na rua. Triste? Sim. Mas é a dura realidade de muitas meninas, jovens e mulheres de todo o mundo”.
“Apesar de ser jovem, já sofri inúmeros assédios. Tantos que, provavelmente, encheria todo esse impresso. Esse, em particular, me deixou abismada. Era uma manhã de sábado. Tinha ido ao centro de BH para resolver algumas coisas. Na volta, esperava o ônibus na Rua Tupis, próximo ao Mercado Central. Havia muito movimento e o ponto estava lotado. De repente, aproxima-se um rapaz, não deu tempo de ver seu rosto. Apenas senti, ele passou a mão na minha genitália. Eu mal consegui esboçar reação, e quando olhei à minha volta, várias pessoas viram, porém ninguém fez nada. Fui embora carregando um peso enorme. Não tinha bolsa, nem sacolas, o peso era minha vergonha”.
Esclarecendo conceitos
Durante a construção da matéria, nos deparamos com um fato novo: todas achávamos que os casos descritos acima eram relatos de assédio, afinal mulher sofre violências, independente de onde elas se enquadram na lei.
A delegada responsável pela Delegacia de Combate à Violência Sexual, Camila Miller, explica que, segundo o Art. 216 do Código Penal, assédio é quando uma pessoa tenta constranger alguém para obter vantagens sexuais. Ainda segundo o artigo, o agressor deve possuir uma posição superior hierarquicamente e de controle sob o agredido.
De acordo com o advogado criminalista Luis Vicente Bernardi, o caso que envolve o ator global José Mayer, no qual ele é acusado de assediar a figurinista Susllem Tonani, não se encaixa nesse artigo. “Esse crime tem a ver com o nível hierárquico dos envolvidos, independente do sexo. O fato dele ser famoso não quer dizer que possa influenciar no trabalho da figurinista, mesmo ocupando uma posição mais alta, Mayer não tem poderes empregatícios em relação à ela”.
O advogado comenta que existe grande confusão entre esses conceitos jurídicos. “É comum que as pessoas que não são da área confundam, até porque essas definições também causam discussões no próprio meio”.
Camila diz que estupro, de acordo com o Art 214, é quando alguém constrange outra pessoa mediante a um ato libidinoso, isto é, o agressor satisfaz o seu desejo sexual por meio de uma agressão física. “Atualmente, estupro não é apenas quando há penetração. Dependendo do caso, até um beijo pode ser enquadrado nesta lei”.
A delegada também elucida sobre em qual artigo deve-se encaixar uma das violências mais sofridas pelas mulheres ao andar pela rua. Segundo ela, as “cantadas” são enquadradas como contravenção de importunação ofensiva ao pudor, conceito presente no Art. 61, que afirma que é crime perturbar ou ofender o pudor de qualquer pessoa em público.
Para os casos acima, Bernardi diz que, tanto o primeiro quando o segundo, podem ser enquadrados como estupro, sendo que a pena para este crime pode variar de 6 a 30 anos de reclusão. Já a terceira história se encaixaria em um delito de perturbação da paz e a punição pode variar de 15 dias à 3 meses de prisão ou pagamento de uma multa.
Nunca se cale
Para quem for vítima de algum tipo de violência, Camila orienta que essa pessoa busque pela delegacia mais próxima. “Dependendo do caso, temos que encaminhar esta mulher para um médico visando um melhor atendimento à ela”.
A delegada reconhece que, apesar dos avanços trazidos pela Lei Maria da Penha, os casos de crimes sexuais ainda são subnotificados. “Algumas vítimas têm vergonha de contar o que aconteceu, pois essas infrações violam a intimidade. Mas, o agressor só será punido se quem sofreu a violência denunciar e levar a ocorrência até às últimas consequências”.
Para denunciar agressões físicas ou violência sexual, a mulher pode ligar para o disque-denúncia 180.
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