Vez ou outra, a brutalidade nos estádios brasileiros é destaque nos meios de comunicação do país e até mesmo do mundo. Em entrevista, o pesquisador da Unicamp e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), Felipe Lopes, fala sobre os diferentes atos violentos que envolvem uma das maiores paixões do Brasil, o futebol. “Em primeiro lugar, precisamos entender o que é a violência nesse esporte, e só isso já implica em muitos questionamentos”.
O que é violência no futebol?
Tradicionalmente, a violência é mensurada pela taxa de mortalidade, mas existem vários problemas nisso: primeiro, é difícil qualificar se esse homicídio tem ou não relação com o futebol. Algumas vezes pode-se crer que ele tenha a ver com o esporte porque a pessoa está usando a camisa do time, no entanto, essa morte pode estar ligada ao tráfico de drogas. O segundo complicador é que em alguns países, como na Alemanha, os conflitos entre torcedores são constantes, porém, esses embates não necessariamente levam à morte. A mortalidade lá é muito baixa, porque eles não utilizam armas de fogo.
Em sua opinião, quais são os principais fatores responsáveis pela violência no futebol?
Costumo compartilhar com a ideia de alguns autores argentinos que entendem que a violência no futebol tem, além de outras, uma motivação baseada em determinado ideal de masculinidade. Para ser homem de verdade é preciso ter certa tolerância à dor, sobretudo física. Outra forma é a ingestão de álcool e droga. Porém, talvez a mais importante delas seja o enfrentamento corporal. Entrar em um conflito violento pode ser altamente excitante, então ainda tem esse componente psicossocial muito forte. Outros pontos são a falta de condições dos estádios e o tratamento dado pela polícia, afinal se você trata o torcedor como animal é claro que ele responderá como tal. A violência é uma forma de obtenção de reconhecimento social e status, por isso as pessoas buscam isso dentro desses grupos específicos, pois as instituições que antes davam isso não oferecem mais, como é o caso dos sindicatos, escolas e trabalho.
A proibição da venda de álcool nos estádios acarretou em mudanças?
A proibição da venda de álcool dentro dos estádios mais prejudica do que ajuda, essa é a minha opinião. Primeiro porque ela não elimina a comercialização de bebida nos arredores dos campos antes do início da partida. Quando o jogo começa entra todo mundo junto, o que faz com que o fluxo de pessoas fique prejudicado. Além disso, os clubes perdem dinheiro. Muitos dos conflitos no futebol são antes ou depois das partidas e às vezes até fora dos dias de jogo, ou seja, o álcool acaba tendo uma relação muito indireta com o futebol. Por causa disso eu não sou contra a venda de bebida nos estádios.
Essa violência nos campos de futebol é reflexo de uma sociedade mais violenta?
Sem dúvida. Esse universo é relativamente autônomo da sociedade, mas isso não quer dizer que o futebol seja completamente livre. Se você tem uma sociedade com altos índices de violência e taxas de homicídios é claro que o futebol não sairia ileso disso. Uma das coisas que aumentam a taxa de mortalidade no futebol brasileiro é que os conflitos quase sempre envolvem armas de fogo. No Brasil, os mecanismos de controle são muito frágeis. Embora exista uma série de restrições legais, as armas circulam com facilidade no país, sobretudo por meio de contrabando. Com esse contexto é muito difícil controlar a violência no futebol.
Qual é a responsabilidade dos times em relação ao comportamento de sua torcida?
Quando o clube é o mandante ele é um dos principais organizadores do evento, assim esse time tem uma responsabilidade significativa pelo que acontece. Isso não quer dizer que eu esteja legitimando uma sanção automática ao clube por algum tipo de violência que ocorra. Nem sempre ele pode evitar um confronto violento, às vezes isso acontece a quilômetros de distância do estádio. Como um clube pode controlar isso? Na condição de mandante, ele tem que estar engajado no debate sobre medidas possíveis para minimizar esse tipo de problema.
A maneira como a Inglaterra conseguiu, de certa forma, acabar com os hooligans pode ser adotada como exemplo para os clubes brasileiros?
Eu não gosto do modelo inglês. Até os anos 1980 ele era sobrestimado, ou seja, tinha uma visibilidade gigantesca, o que fazia com que esse fenômeno estivesse em pauta o tempo inteiro. Hoje, os hooligans tem uma notoriedade muito menor, o que faz com que as pessoas achem, sobretudo aquelas que estão fora do Reino Unido, que eles acabaram, quando isso não é verdade. O que houve foi um deslocamento desses confrontos para outras áreas afastadas geograficamente e simbolicamente dos estádios. Atualmente, os combates acontecem nos pubs, deslocamentos para o exterior e em jogos de divisões de acessos, que são mais frágeis. O futebol inglês adotou um modelo excludente, prefiro o alemão. Eu quero um futebol democrático, justo e popular e o modelo britânico, embora tenha seus pontos positivos, não seguiu por este caminho.
O que pode ser feito para amenizar o problema?
É preciso pensar à violência no futebol brasileiro no plural, criar estratégias e medidas calcadas nos pilares da educação e prevenção, os estádios necessitam ter uma estrutura adequada, investir maciçamente na especialização da polícia e incorporar os mais diferentes atores no debate. Além disso, é importante que a própria imprensa tenha uma mudança no tratamento midiático do assunto. Hoje em dia, ele basicamente é reativo, quase nunca preventivo. E a imprensa, muitas vezes, não só estigmatiza grupo de torcedores como a torcida organizada, mas coloca mais lenha na fogueira quando afirma coisas como “ganhar ou morrer”. Essas medidas seriam mais adequadas.