“É uma sensação muito ruim estar em um ambiente escolar e não ser respeitado. Quando os professores faziam a chamada, muitas vezes eu não respondia. Ser chamado de um nome com o qual você não se identifica causa um grande constrangimento”. Esse é o depoimento do estudante Pedro Jacobsen, 17, que se reconhece como homem. E é justamente para evitar esse tipo de situação que o Ministério da Educação (MEC) autorizou o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da educação básica e estabeleceu medidas para combater quaisquer formas de discriminação.
“Essa era uma antiga reivindicação do movimento LGBTI e que, na verdade, representa um princípio elementar do respeito as diferenças, à pessoa e ao mesmo tempo de um combate permanente do MEC contra o preconceito e o bullying, que muitas vezes ocorre nas escolas de todo o país. É um passo relevante”, enfatizou o ministro da Educação, Mendonça Filho.
A resolução já havia sido aprovada de forma unânime pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em setembro de 2017 e aguardava apenas a homologação pelo MEC para entrar em vigor. Com a mudança, a partir deste ano, os alunos já podem solicitar que a matrícula nas escolas seja feita usando o nome social e não o que consta no RG. Caso o estudante tenha 18 anos, o pedido pode ser feito por ele mesmo na instituição de ensino. Se for menor de idade, a solicitação deve ser feita pelos pais ou responsáveis legais. A educação básica inclui a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
E para estimular o respeito e evitar o abandono da escola em função de bullying, assédio, constrangimento e preconceitos, a norma do CNE estabelece que as instituições de educação básica do país devem assegurar diretrizes e práticas de combate a todas as formas de discriminação em função de orientação sexual e identidade de gênero de estudantes, professores, gestores, funcionários e respectivos familiares na elaboração e implementação de suas propostas curriculares e projetos pedagógicos.
NOME SOCIAL: É aquele escolhido por travestis e transexuais de acordo com o gênero que se identificam, independentemente do nome que consta no registro de nascimento. |
Luta contra o preconceito
Jacobsen conta que vem sentindo na pele o preconceito da sociedade, principalmente no ambiente escolar desde que se assumiu em 2015. “Fiz o primeiro ano do ensino médio duas vezes, porém em colégios diferentes e ambos não autorizaram o uso do nome social. O primeiro disse que, por mais que fosse resolução, não era obrigatório e que outros pais de alunos poderiam reclamar. E, no segundo, inicialmente não permitiram, mas consegui que extraoficialmente os professores me chamassem de Pedro. Porém, tinha que constar meu nome de registro nas chamadas e provas”.
Ele relata que o início do ensino médio foi muito complicado. “Muitas vezes eu não queria nem ir para a escola e não respondia a chamada. Perdi o interesse de estudar e acabei repetindo por falta. Na segunda vez foi um pouco mais tranquilo. Tive problemas apenas com alguns professores que faziam questão de reforçar o nome de registro. Minha mãe chegou a ir na escola para conversar, mas nada adiantou”.
O estudante relembra as situações desagradáveis que viveu. “Uma vez assinei Pedro na prova, o professor me chamou, riscou meu nome e pediu para que eu escrevesse meu nome de verdade. E isso na frente da turma inteira”. Antes de começar o segundo ano, ele mudou de colégio para ver se a situação melhorava. “Ficou mais fácil, pois a diretoria e os professores aceitaram o nome social e eu podia assinar Pedro. Podia até usar o banheiro de acordo com o gênero. Mas alguns alunos tinham uma certa resistência, principalmente os meninos que faziam piadinhas, zombavam e me excluíam. Consegui concluir o segundo ano, mas, por conta de preconceito, estou pensando em parar e não frequentar mais a escola”, encerra.
Evasão escolar
A presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, explica que essa norma aprovada pelo CNE é oriunda da resolução 12, publicada em 2015 pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação de LGBT (CNCD/LGBT). “Essa homologação pelo MEC demonstra que estamos em um diálogo perene e constante sobre a inclusão das pessoas LGBT, especialmente a população trans, pois essa é a que está mais distante da escola”.
De acordo com Keila, não há informações do número de pessoas trans nas instituições de ensino. “Elas não se matriculam enquanto trans e sim com o nome de registro que só pode ser masculino ou feminino. A escola não coloca esse marcador indenitário na matricula, o que é uma questão que também temos lutado para mudar. Somente assim podemos fazer uma quantificação”. Lembrando que desde 2014 é possível usar o nome social durante a inscrição para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ano passado, mais de 300 pessoas fizeram uso dessa condição.
Ela salienta que a batalha pelo nome social é antiga. “Essa luta tomou corpo em meados de 1993 e se efetiva somente agora. Temos que compreender que embora tenham hoje processos judiciais para alteração de nome, existem muitas pessoas trans que não querem fazer retificação de registro civil, mas desejam assumir uma determinada identidade de gênero. Por essa razão, defender o nome social é importante”. Keila acredita que a resolução não resolve a problemática, mas abre um debate com argumentos para convencer professores, alunos e a sociedade em geral a respeitar essa condição.
Segundo a presidente da Antra, ainda há discriminação no ambiente escolar por docentes e discentes. “Existem também os espaços segregados por gênero, como os banheiros que ainda não estão completamente livres para que a população trans possa acessar. Dessa forma, a escola acaba oprimindo cada vez mais e causando constrangimentos. E ninguém quer ficar em um lugar assim. O primeiro passo é sair da instituição de ensino, afinal, no lugar que eu deveria estar concentrada para aprender eu não vou conseguir estar atenta, porque eu vou ter milhões de outros problemas sociais para preocupar”, finaliza.