Como se não bastasse o mundo todo lutando para extinguir de vez a COVID-19, a Rússia decidiu começar uma guerra e invadiu a Ucrânia. O conflito começou no dia 24 de fevereiro e já deixou um rastro de centenas de militares e civis mortos. Os dois países ainda não chegaram a um acordo de cessar fogo, apesar das sanções econômicas impostas à Rússia por diversas nações ao redor do globo. Para entender as razões desse ataque, o Edição do Brasil conversou com Fabiano de Abreu Agrela, PhD em neurociências, historiador e antropólogo.
Como essa guerra afeta o Brasil e outros países?
Os ataques realizados pela Rússia geram consequências não apenas para a Ucrânia, ainda que o país seja o mais afetado, mas para os demais países do continente. As implicações de qualquer guerra abalam a bolsa de valores e o mercado em geral. Sendo mais específico, afetam os preços de combustíveis com o aumento da procura mundial. Com o comércio interrompido, os europeus passarão a ter a ausência de energia recorrendo ao mercado mundial deixando os valores mais caros. O que influencia no custo dos alimentos, instabilidade econômica, inflação pelas altas de energia, combustível e moedas. O crescimento econômico tende a ser freado com essas consequências.
Como começou as divergências entre Rússia e Ucrânia?
As divergências entre os dois países têm origem logo após a Guerra Fria, com a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para o Leste Europeu, e a incorporação de nações que faziam parte da antiga União Soviética. A Ucrânia não faz parte da Otan, mas já vem negociando uma possível adesão ao grupo.
Com base nessa aproximação, a Rússia, comandada por Vladimir Putin, decidiu enviar militares para a fronteira entre os dois países, mesmo negando estar preparando uma invasão
Quem poderia estar por trás dos pensamentos de Putin?
Alexander Dugin, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Estatal de Moscou, é o guru de Vladimir Putin. Pensador nacionalista ortodoxo na esfera geopolítica. Considerado uma variação do fascismo, superação do liberalismo e do comunismo, como mostra em seu livro “A Quarta Teoria Política, em 2009”.
Quais as principais ideias defendidas?
Ele prega pelo fim definitivo da hegemonia ocidental. É a chamada política eurasiana ou eurasianismo, um movimento político na Rússia, anteriormente dentro da comunidade de emigrantes russos “brancos”, que postula que a civilização russa não pertence às categorias “europeia” ou “asiática”, mas sim ao conceito geopolítico da Eurásia. Desenvolvido em 1920, o movimento apoiou a revolução bolchevique. O eurasianismo prega a Rússia como referência ao lado da China. Putin já foi chamado por Dugin como “o homem da Eurasia”. A democracia não é um valor nas ideias de Dugin que também é contra os LGBT+ e o casamento gay, chamado de perversão.
Mediante a este pensamento, Putin acredita que o povo russo e ucraniano é um só, chegou a mencionar antigo povo rus, considerado o ancestral comum de russos, bielorrussos e ucranianos. Ou seja, em sua ideologia, a Ucrânia deveria fazer parte da Rússia, traduzindo em miúdos. A visão dominante do nacionalismo russo é que a Ucrânia é o coração da nação russa. Porém, não é o sentimento ucraniano que é fiel opositor à Rússia, o que causa frustração e raiva no país vizinho.
Putin é um idealista convicto em deixar o seu legado, ex-agente da KGB (agência de inteligência da URSS), foi treinado na era soviética e acredita que o Ocidente transformou a Ucrânia em uma região estratégica que ameaça à Rússia.
Há o receio de uma guerra nuclear?
O receio vem de todas as partes. A Rússia evita um maior massacre para ter argumentos mais amenos para o Ocidente. Este, por sua vez, teme o ataque nuclear. Estamos a falar de “dois mundos”, o da direita e o da esquerda do mapa, com exceção de alguns países entre um lado e outro. Mas um arremesso nuclear da direita para esquerda e vice-versa seria, praticamente, o fim da humanidade. Se por um lado, o Ocidente se garante nos Estados Unidos e Europa, por outro, a Rússia tem a China, Irã, Coreia do Norte, todos armados até os dentes e mais destemidos, onde o seu próprio povo não é prioridade e não há uma cultura “paz e amor” de sua população.
A Ucrânia não fazer parte da Otan tem relação com os riscos que sempre houveram na região, protegendo o próprio Ocidente. A ajuda vem de outra maneira, com financiamento de armas para que o próprio povo ucraniano possa resolver os seus problemas, que não são atuais. A questão é que, não estamos em 1940 e uma guerra nuclear seria um apocalipse que ninguém quer correr o risco de começar.