Gabriel Sales, 12 anos, assim como milhares de alunos brasileiros, está estudando de maneira remota desde que as medidas de isolamento social se intensificaram para tentar conter o avanço do coronavírus no país. Para ele, apesar de ser melhor não ter que se descolocar para a escola diariamente, ainda há dificuldade para se concentrar durante alguns minutos. “Na sala de aula, há distrações sim, mas sinto que consigo ficar mais atento. Além disso, meu irmão mais novo também está em casa e ele é muito agitado”.
Viviane Sales, mãe de Gabriel, tenta manter a rotina de estudos dos dois filhos em casa. “Não é uma tarefa fácil, principalmente para o pequeno, que pensa que está de férias”. Porém, para ela, a pior parte não é ter que ajudá- -los com as tarefas escolares, mas continuar pagando a mensalidade mesmo sem as aulas presenciais. No total, a mãe gasta um pouco mais da metade do seu salário com essa despesa mensal. “Acho que eles poderiam diminuir um pouco esse valor, pois não estão tendo alguns gastos, como água e luz, e, em contrapartida, essas despesas aumentaram aqui em casa”.
O advogado Guilherme Rezende diz que devemos refletir que estamos passando por uma situação nunca antes experimentada e que nos leva a vários questionamentos, como esse de Viviane. “Pensando de forma isolada e levando em consideração apenas o Código de Defesa do Consumidor, poderíamos refletir que, se não há prestação de serviço em determinado período, não deve haver a contrapartida do pagamento. Se o contrato era para aulas presenciais e agora é EAD, deve-se haver abatimento no preço contratado”, explica.
Porém, segundo a Lei Federal 9.870/99, a contratação de serviços particulares de educação se dá por anuidades ou semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior e o valor total, anual ou semestral, terá vigência por um ano e será dividido em 12 ou 6 parcelas mensais iguais. “Desta forma, a atual suspensão das aulas presenciais nas instituições de ensino não implica em descontos em mensalidades escolares, uma vez que não são contados os dias, mas o ano letivo”.
Com essa dualidade, podemos, se levarmos ao pé da letra, encontrar razão para consumidores e instituições de ensino, mas o advogado defende que o momento requer discussões e acordos, uma vez que a situação em que vivemos traz prejuízos a todos. “A preocupação não deve ser em relação ao direito ou não das escolas em cobrar a mensalidade durante a pandemia, mas sim em negociar individualmente com cada consumidor, pois a realidade de cada um é diferente. Devemos todos pensar na melhor maneira de conduzir a situação, de forma que os prejuízos sejam os menores possíveis para todos”.
Regulamentação
Para tentar resolver a situação, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi o primeiro a se manifestar sobre o tema. A entidade emitiu uma nota técnica recomendando que os consumidores evitassem cancelar, pedir desconto ou reembolso total ou parcial em mensalidades de instituições de ensino que tiveram as aulas suspensas por conta da pandemia. “Segundo a recomendação, que orienta os Procons do Brasil, não há motivo plausível para que o cliente solicite qualquer tipo de ressarcimento nos casos em que a instituições se disponham a oferecer o serviço interrompido posteriormente, por meio de aulas presenciais ou pela oferta de aulas on-line, de acordo com as diretrizes do Ministério da Educação”.
Há também em tramitação vários projetos de lei, tanto na esfera federal quanto na estadual, para estabelecer regras de cobrança de mensalidades no período da pandemia. Na Câmara dos Deputados, três projetos de lei visam conceder desconto de 30% a 50% durante esse período, além de proteger o salário dos professores. Já a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG) discute medidas de redução das mensalidades em 50%.