Ao lado dos inúmeros entraves enfrentados todos os dias pelo empresário brasileiro, deverá ele, ainda, contabilizar os prejuízos amargados em consequência das medidas e recomendações governamentais voltadas ao combate do novo coronavírus, mas que, no ponto de vista econômico, correlacionam-se diretamente com a diminuição da procura e com o desaquecimento de diversos setores do mercado de consumo.
Ocorre que não serão todos os cenários onde se poderá manter ativo e honrar adequadamente com todos os compromissos e, não raras vezes, necessário será recorrer à normativa que regulamenta especificamente tal situação. Fala-se, aqui e de modo bastante resumido, das regras atinentes a promover a recuperação judicial do empresário-devedor.
De início é preciso falar, porque geralmente se confunde justamente nessa premissa, que a Lei de Recuperação Judicial não é sanção, não veio como penalidade ao empresário mal sucedido, mas justamente, e ao contrário, como amparo e até mesmo proteção, porque soube o legislador, quando a editou no Congresso Nacional, que é o setor econômico e justamente o pequeno e médio empresário quem produz renda e gera emprego em massa no Brasil, de modo que a sua quebra não somente lhe atinge; atinge reflexamente toda a sociedade brasileira, e é preferível que este não sucumba sem, antes, tentar promover a sua reorganização, justamente por meio da recuperação judicial.
Para as situações nas quais o pedido se faz legítimo, e a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial pelo respectivo Juízo, ordenou a Lei, em benefício do empresário, o chamado “stay period”, isto é, período legal dentro do qual ocorrerá a suspensão de todas as ações e execuções ajuizadas em face do devedor, pelo prazo máximo de 180 dias. Caberá então ao recuperando apresentar o chamado “Plano de Recuperação Judicial”, demonstrando-se os meios a serem empregados para a sua recuperação, frente os débitos que enfrenta; a viabilidade econômica e a avaliação patrimonial atualizada.
Caberão aos credores indicados pelo devedor e demais comparecentes, e administrador judicial nomeado, a análise e oportunamente aprovação desse plano de recuperação. Ali se poderá estabelecer sobre a dilação dos prazos e pagamentos das obrigações, descontos, pagamento das obrigações com dações, isto é, entrega de bens em pagamento; enfim, poderá, e de maneira geral com relação aos credores, estabelecer sobre os meios necessários para se atingir, concomitantemente, a satisfação dos créditos e a manutenção da atividade de produção.
Destarte, a recuperação judicial, com o auxílio de profissionais adequados e do próprio Poder Judiciário, se revela ferramenta jurídica valiosa, voltada a promover a reorganização da vida da empresa. Nesse sentido vale destacar que, nos termos do Código Civil brasileiro, “a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores”. Melhor explicando: “a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”.
Isso para dizer que, na regra geral e dentro da normalidade jurídica, a vida e os bens particulares dos sócios e dos administradores não integram a recuperação judicial. Vale destacar: a recuperação é da empresa, e não, necessariamente, dos sócios.
*André Luiz Martins Leite
Advogado e consultor, especializado em direito empresarial e imobiliário, sócio da Leite & Alcântara – Sociedade de Advogados – www.leitealcantara.com.br