Na última semana, o mundo viu novamente cenas lamentáveis de racismo no futebol contra o atacante Vini Jr., do Real Madrid, e o goleiro Caíque, do Ypiranga-RS. De acordo com relatório parcial do Observatório de Discriminação Racial no Futebol, o Brasil registrou 90 casos de racismo em 2022. Durante todo 2021, foram 64 ocorrências. Para debater quais são os fatores que levam a esses ataques racistas e possíveis caminhos para resolver o problema, o Edição do Brasil conversou com o diretor executivo do Observatório, Marcelo Carvalho.
Por que as pessoas continuam cometendo atos racistas nos estádios de futebol?
No passado, a gente tinha na cultura do Brasil que o estádio era um lugar para despejar o nosso ódio e frustração. O futebol brasileiro conviveu com isso por muitos anos e encarou como algo normal. Depois de um tempo é que começamos a discutir as coisas que não são mais aceitas nesse ambiente. Mas, muita gente ainda tem essa cultura enraizada e com o pensamento de que se fizer um ato racista no meio da multidão, não será identificada. Infelizmente, a maioria dos casos não são punidos, o que passa essa sensação de impunidade.
Como você avalia o comportamento dos jogadores perante a situação?
O comportamento dos jogadores vem mudando. Existe uma quebra desse silenciamento. Antes, eles se calavam quando acontecia um ato racista. Uma frase que muitos disseram era “o que acontece em campo, morre no campo”. Muitas vezes, os atletas pensavam dessa forma. Hoje, estão entendendo que racismo é crime e deve ser denunciado.
Após o início das publicações do relatório, os casos registrados no Brasil passaram a ter punições?
Não teve punição severa, mas foi mais publicizado. A sociedade passou a debater mais sobre o racismo. Atualmente, essa pauta está presente nos clubes e entidades esportivas, visto que não sabem se deve punir o torcedor ou o clube, quando um ato de racismo acontece. Houve a sanção da lei equiparando a injúria racial ao racismo e prevendo uma punição maior, quando o ataque racista é cometido no estádio de futebol. Tivemos várias ações sendo tomadas, agora precisamos que tudo funcione na prática. Essa é a grande questão.
Em sua opinião, a FIFA está demorando para tomar medidas drásticas?
Em 2019, a Federação Internacional de Futebol (FIFA) lançou um novo código prevendo ações de combate ao racismo. Nele, tem uma ação de três passos. Quando um caso de racismo acontece no estádio, o árbitro para o jogo. Em um segundo momento, ele interrompe a partida e comunica no sistema de som do estádio que, se repetir os atos racistas, o jogo será encerrado. No terceiro passo, a partida é terminada e o time dos torcedores racistas sai como derrotado. A FIFA fez isso e achou que estava resolvido o problema, porém, a regra não é aplicada. O que temos visto é que o jogador que denuncia acaba sendo punido. A Federação precisa rever as ações, porque não estão funcionando.
É necessária também uma mudança na sociedade para acabar com o racismo no esporte?
Essa mudança é muito necessária, porque nós temos lei e instrumentos de punição, mas não tem ninguém preso por esse crime no Brasil. Precisamos punir de fato, para que outras pessoas se sintam intimidadas a não cometer o ato racista.