Os adolescentes de 16 e 17 anos possuem voto facultativo no Brasil. No entanto, exercer essa função não tem despertado o interesse deles este ano. Prova disso é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou, em fevereiro, o menor número de jovens de 16 e 17 anos com título de eleitor da história. Ao todo, foram contabilizados cerca de 830 mil novos eleitores nessa faixa etária, sendo que, em 2018, essa quantidade era de 1,4 milhão. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), considerando as mais de 6 milhões de pessoas com 16 e 17 anos, o índice de jovens com título de eleitor representa cerca de 13,6%.
O cenário se estende aos adultos em Minas Gerais. De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), mais de 1,2 milhão de mineiros com mais de 18 anos estão com o título eleitoral irregular. Para falar sobre o tema, o Edição do Brasil conversou com o cientista político Rudá Ricci.
Por que o voto facultativo dos 16 aos 18 anos foi instituído no país?
A Emenda Constitucional de 10 de maio de 1985 permitiu que o jovem fizesse a opção de votar aos 16 anos. A intenção era gerar engajamento cívico, um artifício educativo de participação política envolvendo a fase final da adolescência. Trata-se de uma discussão histórica sobre um processo de escuta que já envolveu a participação desse grupo nos Conselhos de Classe escolares na seleção de professores durante o governo Allende, no Chile, e mesmo nas decisões comunitárias, como em várias nações indígenas da América Latina, por exemplo, na Bolívia.
Qual a importância do voto nessa idade?
Na área educacional, desde a redemocratização brasileira, se discute a importância do protagonismo juvenil como método de amadurecimento político. É algo gradativo de socialização e descentramento. Jean Piaget estudou tal processo, que significa a transição do egocentrismo, ou seja, a visão do mundo a partir de si e das vantagens que leva em respeitar ou não uma regra social. E, também, para a empatia que diz sobre a visão de mundo diante da relação com o outro e a noção de justiça. Ele percebeu que com 12 anos surge a capacidade de julgar as regras, àquelas que se apresentam mais justas. Tal ação, contudo, ocorre por estímulos sociais. Daí a importância do exercício do voto, da escolha de um representante que projeta as relações de decisão coletiva para além do mero interesse individual.
Este ano houve um baixo desejo dos jovens em emitir o título. Em sua opinião, por que esse desinteresse tem acontecido?
Em 2013 o Brasil perdeu a chance de acolher uma nova forma de pensar política. Foi o ano das jornadas de junho, essencialmente lideradas por jovens que “saíram do Facebook”. Os manifestantes foram destratados e perseguidos da direita à esquerda. Suas demandas foram folclorizadas pela grande imprensa e políticos profissionais. O ideário de 2013 era mais anarquista e autonomista, exigindo horizontalidade e práticas de democracia direta. Ganhou a tradição política que deu às costas para a juventude brasileira. Retornaram nos rolezinhos de 2013 e 2014 e nas ocupações de escolas estaduais iniciadas em 2016, porém, o tratamento dos adultos foi sempre o mesmo: estranhamento e rechaço.
O que poderia ser feito para mudar esse quadro?
O Brasil precisa se reencontrar. Sinalizamos, neste século, de maneira contraditória sobre o que queremos da política. Fomos da participação ampla do cidadão ao discurso fascista bolsonarista, do voto no centrão ao ataque violento às práticas corruptas, do punitivismo ao identitarismo. Não sabemos o que queremos. Então, o primeiro passo é nos encontrarmos como nação, identidade coletiva e cultura política. Algo muito mais profundo que o patriotismo, muitas vezes vinculado à ordem e à lei. Nação é desejo comum e há anos não temos um mínimo de convergência como tal. Sem isso, como engajar jovens e adultos politicamente?
O descaso também abrange os maiores de idade. Em Minas, mais de 1 milhão de eleitores estão com o título irregular. A que você atribui isso?
Ao retrocesso do processo civilizatório brasileiro. O Brasil é campeão mundial em linchamento e em assassinato de LGBTQIA+. Somos o 5º no ranking global de feminicídios e o 13º na lista mundial de homicídios. Não somos pacíficos e não nos entendemos. A morte recente de um congolês no Rio de Janeiro estampou nossa índole. Temos, urgentemente, que alterar essa tragédia que nos alinha com a desumanidade de 350 anos de escravidão.
Você acredita que, mesmo com a obrigatoriedade, muitos brasileiros deixarão de votar?
As eleições deste ano se revestem de algo excepcional: a escolha entre a continuação do fascismo ou a reconstrução nacional. Há algo de especial porque o desemprego, a inflação e a pandemia parecem ter agravado o sentimento de orfandade de amplas camadas sociais de nosso país. Pode significar um interregno na despolitização gradativa. Enfim, tenho a impressão que, por esses motivos, a abstenção e o não voto crescentes podem ter um freio nas eleições de 2022.