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135 anos após fim da escravidão negros ainda lutam por direitos

Foto: Pexels.com

A Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, considerou livres aproximadamente 700 mil escravos, porém, não foi editada nenhuma medida para garantir uma sobrevivência digna para os negros e negras escravizados durante anos, libertados e jogados nas ruas com a roupa do corpo e nada mais.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os pretos e pardos representam 56% da população brasileira, apesar disso, ainda são minoria em cargos de liderança. Informações do Instituto iDados, de 2020, revelam que 37,9% dos homens e 33,2% das mulheres negras com diploma de ensino superior trabalham em funções que não exigem o diploma.

Os dados mostram que, apesar da escravidão ter sido abolida no Brasil há 135 anos, resquícios da estrutura social que segrega negros persistem até hoje. Para falar do assunto, o Edição do Brasil conversou com o diretor da União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro), Alexandre Braga.

Com a falta de oportunidades após a abolição e o racismo, o quadro de desigualdade que se perpetuou no país tem reflexos até os dias atuais?

Sim, porque não houve políticas públicas de inclusão social por parte do Estado e da igreja católica. Faltaram ações de assistência social e, para piorar, os negros ex-escravizados foram impedidos do acesso às escolas públicas e moradias nos centros das cidades.

Essa realidade faz com que tenhamos mais negros no mundo do crime?

O que temos é um bolsão de miséria herdado de vários processos políticos anteriores, com mais de 800 mil pessoas presas no Brasil, em sua maioria pretas e pardas e sem ensino médio completo. O que revela um drama social e uma política de extermínio programado contra a população negra. Quem mais morre nas mãos dos aparatos policiais são jovens negros. A maioria desses indivíduos vive em locais sem saneamento básico, sem condições de moradia digna e em condições de miserabilidade social. É essa desigualdade social gritante que leva à criminalidade.

No Brasil, as principais vítimas de violência policial são negras. Essa estatística é proveniente da escravidão?

A escravidão acabou deixando um legado, com códigos e leis que associaram o povo preto à criminalidade. A violência policial nas abordagens e na maneira de tratar a população negra é um processo que virou rotina. Isso piorou desde a Ditadura Militar, que reforçou e aprimorou a repressão aos corpos negros, nas vilas e favelas e nas regiões de periferia.

O negro, muitas vezes, ainda é retratado na mídia em profissões consideradas menores. Isso reforça a ideia do racismo?

Sim, pelo racismo recreativo (prática de racismo disfarçada de “humor” e, por isso, pretensamente acobertada) e pela associação da imagem negra a coisas negativas pela televisão, redes sociais, publicidade e nas novelas. Isso reforça os preconceitos e impede a cidadania negra, pois são considerados inferiores e somente pertencentes às classes de poder aquisitivo baixo. E em sua maioria, o negro que é mostrado na TV aparece de forma estereotipada, nunca como pessoa que deu certo ou como o empresário de sucesso que tem boa família. Nesse sentido, a mídia ajudou a consolidar uma imagem negativa do negro no Brasil e reforçou o racismo em vez de ajudar a combatê-lo.

Na sua opinião, há ações válidas para combater o racismo na sociedade?

Existem e todas são necessárias e urgentes. Mas precisa de orçamento público e o envolvimento da população branca nos processos antirracistas. Sem dinheiro, os governos não vão conseguir efetivas políticas públicas de combate ao racismo, pois nem as empresas e nem as pessoas vão dar crédito àquilo que só funciona no papel ou que não tem efetividade. As leis contra o preconceito racial, que em sua maioria não pune os crimes de racismo, como podemos ver nas decisões dos juízes nos Tribunais de Justiça. Hoje, praticamente não tem ninguém condenado pelo crime de racismo ou se foi, não cumpriu a pena.

O que poderia ser feito para melhorar as condições da população negra?

Basta cumprir as leis atuais e sensibilizar as empresas para participarem das ações antirracistas. Por exemplo, a Federação Internacional de Futebol (FIFA) e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) poderiam dar uma contribuição muito grande contra o racismo e os preconceitos, mas as campanhas só ficam no “somos todos iguais” que, na maioria das vezes, não diz nada e nem cativa as pessoas nos estádios a lutarem e promoverem a pessoa negra.

Além disso, é preciso uma ética contra o racismo dentro das empresas. As companhias são uma porta muito interessante para coibir ações racistas e educar pessoas e organizações a uma nova postura de inclusão social e pela cidadania. Isso não estão acontecendo de forma efetiva, mas isolada e sem o acompanhamento do movimento negro dentro e fora das empresas.

Faltam programas e políticas públicas quando se trata de igualdade racial?

Não falta política pública hoje, mas sim o aprimoramento e o orçamento para executá-la. Uma prefeitura sem dinheiro não vai aplicar os projetos do governo federal, pois não tem estrutura suficiente para exercer de forma local aquilo que está no plano nacional. Sem falar que muitos eleitos nas cidades brasileiras não concordam com as ações afirmativas, pois são de grupos políticos contrários às cotas raciais ou políticas específicas para a população negra. Hoje, um número grande de prefeituras é dirigido pelos grupos conservadores e de direita, o que dificulta a execução da política antirracista no Brasil.