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Mitos e baixa renda fortalecem a tradição da pesca na Pampulha

Os pescadores da Lagoa da Pampulha ajudam a compor o clima interiorano na região de maior atração turística de Belo Horizonte, especialmente nos domingos. A pesca para consumo é proibida no local, devido à poluição das águas. Mas ao longo de toda orla da lagoa, não há dificuldade em avistar pescadores que, sem grandes preocupações, se alimentam desses peixes. Isaac Felipe, 9, veio acompanhado do tio, Júlio César da Silva, 37, e dois amigos, todos pescadores.

Os quatro são moradores do bairro Veneza, em Ribeirão das Neves, e chegaram de madrugada no Conjunto Arquitetônico da Pampulha. Apesar das obras de Niemeyer, Burle Marx, Portinari e Ceschiatti, o local escolhido não tem relação com prestigiar um dos Patrimônios Culturais da Humanidade, mas com a “falta de opção”. “Quando era mais novo ia para Itabirito, Três Marias, Paraopeba, Pará, mas hoje venho no mais perto”, conta o estofador José Maria Ferreira, 54.

Questionado sobre a poluição das águas da lagoa e a ingestão dos peixes que possuem alto nível de metais pesados, o que pode provocar danos à saúde de quem consome os pescados, ele diz parecer seguro. “Depois que a carne frita no óleo a 90ºC, mata tudo de ruim. Um médico que me disse”, responde enquanto aponta para o saco que guarda os peixes fisgados. São oito tilápias e outra espécie que nenhum deles consegue identificar.

Sobre entrar na água, o pescador muda o tom de certeza. “Já nadei muito aqui, não só eu. Vinha muita gente pra cá, mas hoje tenho medo de alguma doença. Um colega meu já agarrou o anzol nas roupas de um defunto”. História de pescador ou não, as águas da Pampulha já foram cenário de afogamentos e desovas de cadáveres. Em 2017, partes do corpo esquartejado de um jovem foram avistadas em dois pontos da Avenida Otacílio Negrão de Lima, que circunda a lagoa em 18km de extensão.

A pesca na Pampulha está envolta em mitos e desinformações, como explica Cleber Figueredo, biólogo e doutor em ecologia, conservação e manejo de vida silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Os metais pesados são elementos químicos, o que significa que somente a temperatura elevada não vai gerar modificações importantes, pois não se transformam em outro elemento não tóxico com o aquecimento. Há bactérias tóxicas na lagoa e algumas delas resistem a temperaturas superiores a 100°C.”.

Tradição
Do outro lado da lagoa, próximo ao Pampulha Iate Clube, um dos símbolos da alta sociedade mineira, uma família precisa de quatro varas para o programa de domingo. O auxiliar de serviços gerais Gilmar Eduardo Raimundo, 44, que pesca na lagoa há pelo menos três décadas, trouxe o filho e o neto, de 7 e 6 anos respectivamente. Antes deles, os outros seis filhos já o acompanharam na prática que batiza como tradição e lazer.

Gilmar e seu irmão Gilberto Eduardo Raimundo, 43, informam que a lagoa já forneceu o prato principal no aniversário da avó. “Pescamos uma tilápia de 5kg. Foi um festão na dona Conceição ”, diz.
Os perfis dos pescadores são os mais variados, mas os relatos ouvidos trazem algo em comum, seja por desemprego ou gastos com o sustento da família, os homens relataram dificuldades financeiras e que o pescado contribui na alimentação própria e na das famílias.

Na última Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos (PNCBA), divulgada em maio de 2017, pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o preço da cesta básica em Belo Horizonte custava R$ 390,60, ocupando a 14ª posição mais cara. Atualmente, o salário mínimo é de R$ 954,00.

Não apresentar nenhum sintoma relacionado ao consumo imediato dos peixes é um argumento recorrente entre os pescadores. Empacotador em uma rede de sacolão Walter Lúcio do Prado, 55, pescava a poucos metros de um cano que lançava esgoto na água. “Pra mim, é uma boa opção. Onde trabalho meio quilo de tilápia não é menos que R$ 18,00. Aqui, pesco de 3kg. Venho desde os 15 anos e nunca tive nada”, diz.

O biólogo esclarece que outro mito diz que os primeiros efeitos são sentidos somente após longos períodos. “É isso que gera a sensação de que o problema não é grave. Porém, algumas das toxinas dessas bactérias resultam em problemas hepáticos graves, incluindo o câncer. Metais pesados são associados a uma série de problemas de saúde a longo prazo, como fraqueza muscular, câncer e cardiopatia”.

Qualidade da água
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte não informou se existe algum programa de conscientização da população sobre os riscos do consumo ou fiscalização no local. O objetivo da prefeitura de subir a classificação da lagoa para a classe três do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que permite o contato esporádico ou acidental com a água, foi alcançado em dezembro de 2016 pelo custo de R$ 30 milhões, pagos ao Consórcio Viva Pampulha, com financiamento da prefeitura, Banco do Brasil e Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. A prefeitura não tem previsão de ações que fariam a lagoa atingir a classe dois do Conama. A pesca com finalidade de alimentação requer classe um.