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82% das mulheres parlamentares já sofreram violência psicológica

Deputada estadual paulista Isa Penna (PCdoB) sofreu assédio dentro da Assembleia em 2020 / Foto: José Antônio Teixeira (Alesp)

Segundo a ONU Mulheres, na América Latina e no Caribe estão os maiores índices femininos no parlamento, porém, isso não inclui o Brasil. No país, elas ocupam apenas 15% das cadeiras.

À medida que cresce a participação delas nos espaços políticos institucionais, também aumentam os ataques, as ameaças e as tentativas de deslegitimação a essa mudança social. De acordo com dados da União Parlamentar Internacional (IPU), 82% das mulheres já sofreram violência psicológica em espaços políticos; 44% já vivenciaram algum tipo de ameaça; 26% foram vítimas de violência física no parlamento; e 39% afirmaram que a violência atrapalhou a agenda legislativa.

Para entender mais sobre esse assunto, o Edição do Brasil conversou com a Ludmila Ribeiro, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Essa violência está ligada ao gênero ou também a assuntos defendidos por essas parlamentares?
Temos assistido, nos últimos anos, um crescimento da violência contra as mulheres parlamentares. É quase como se o sexo feminino não pudesse ocupar esses espaços. É claro que essas parlamentares também vão trazer pautas importantes, por exemplo, o combate à violência doméstica, mas é ilusório acreditar que elas estão sofrendo violência em razão disso. As agressões estão muito mais relacionadas, principalmente, ao fato delas serem mulheres e estarem ocupando um lugar que, tradicionalmente, pertencia aos homens.

Qual é o principal objetivo de quem pratica violência política de gênero?
É fazer com que as parlamentares fiquem cada vez mais restritas do ponto de vista da sua ação, desqualificando a legitimidade para atuarem no espaço público. Existe um descrédito nas mulheres e, também, ao fato das pautas defendidas por elas que, muitas vezes, são tematizadas como menos importantes, o que não é verdade, já que são legítimas e essenciais para a população feminina.

Mulheres de qualquer esfera política estão sujeitas a sofrer preconceito?
Em razão dessa estrutura patriarcal, todas as candidatas e eleitas para os parlamentos municipais, estaduais e federais sofrem esse tipo de violência de gênero. Para essas parlamentares é muito difícil conseguir se inserir dentro de um partido que apoie a candidatura delas, serem eleitas e depois ainda precisam construir parcerias para que certos projetos possam ser aprovados.
O fato dessas mulheres, muitas das vezes, estarem inseridas em pautas muito femininas, dificulta bastante a aprovação dessas matérias, ou seja, elas precisam vencer todo esse estereótipo. Em função do machismo, muitas decidem não abordar determinadas causas ou não patrocinar certos assuntos, porque elas sabem que será muito difícil convencer os homens a se alinharem à mesma temática.

Essa violência sofrida pelas parlamentares é um reflexo da sociedade machista?
Não há dúvida de que o campo político ainda é eminentemente masculino, inclusive quando a gente vê essas mudanças do ponto de vista de gênero. Ainda que tenha a obrigatoriedade de cotas, de pelo menos 30% de candidatas do sexo feminino, o que percebemos é que a eleição delas não chega a 20%, a maior parte das vezes essas cotas elegem entre 10 ou 15%. Isso significa que há uma enorme resistência às mulheres como parlamentares, não apenas por parte dos homens, mas também das próprias mulheres.
E, com isso, voltamos à questão do machismo, é quase como se a mulher olhasse para uma candidata e pensasse assim: “Ah, mas como é que ela vai fazer para cuidar dos filhos? Cuidar da casa? Ela não vai ter tempo de se dedicar ao parlamento”. Esse é um grande desafio que temos, não basta uma lei que permita participação feminina, é preciso que, de alguma maneira, a gente seja capaz de mudar a mentalidade das votantes, em especial, para que as mulheres sejam eleitas.

As ameaças envolvendo as parlamentares podem afastar as mulheres da política?
Sim. A ideia de que “já sei que estando lá eu vou ser triturada pelos meus colegas, para que eu vou quebrar esse teto de vidro? Para que eu vou enfrentar todas essas dificuldades?”. Isso fica muito evidente quando a gente vê uma grande quantidade de mulheres que vão para a vida política, que são eleitas e que depois decidem não tentar a reeleição.

No Brasil, existe uma lei para coibir esses casos?
Até onde eu sei, não existe uma lei que seja capaz de coibir e criminalizar especificamente a violência contra a parlamentar. Os políticos têm especificidades em razão da ocupação do cargo público, o que faz que o processamento desse tipo de crime não seja iniciado diretamente pelo sistema de justiça criminal, e que tramite primeiro pelas Casas Legislativas. Porém, não acredito que é o caso de ter uma lei criminalizando esse tipo de conduta. O rechaço administrativo, dentro das próprias casas, pode ser muito mais efetivo.
O grande problema que essas mulheres parlamentares enfrentam é o mesmo que as vítimas de violência em geral, que é a desqualificação delas. Assim, o caminho é muito mais de como a gente vai oferecer para elas a credibilidade e a devida importância aos seus depoimentos.

Quais medidas essas parlamentares podem tomar?
Uma das primeiras questões é talvez publicizar mais esse debate. Tem o caso da Isa Penna (PCdoB) que ficou bem notório, mas tenho certeza que o que ocorreu com ela, acontece com várias outras, só que essas ocorrências não são publicizadas e nem debatidas abertamente. É muito importante que essas mulheres tragam esses problemas para o âmbito público para que possamos discutir mais a questão da violência de gênero. Outra coisa essencial é que elas consigam participar da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) das suas assembleias legislativas, porque é dentro delas que, muitas das vezes, vai apurar esse tipo de caso, conseguir processar e punir situações que afetam a todas.