Home > Destaques > Cresce em 66,3% o número de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever

Cresce em 66,3% o número de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever

“Poder público precisa agir rápido, mas as famílias também devem se envolver neste processo” | Foto: Divulgação

 

Cristhiane Amorim | Foto: Arquivo pessoal

De acordo com uma análise feita pelo Todos pela Educação, entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever.

O estudo aponta os impactos da desigualdade social neste índice. Segundo a avaliação, os percentuais de meninos e meninas pretos e pardos, nessa faixa etária, que não estão alfabetizadas passou de 28,8% e 28,2% em 2019 para 47,4% e 44,5% em 2021, sendo que entre as crianças brancas o aumento foi de 20,3% para 35,1% no mesmo período.

A desigualdade social também se destaca nesta pesquisa. Dentre as crianças mais pobres, o percentual das que não sabem ler e escrever aumentou de 33,6% para 51,0%, entre 2019 e 2021. Dentre as mais ricas, o avanço foi de 11,4% para 16,6%.

Para a pedagoga especializada em neurociência, educação e desenvolvimento infantil, Cristhiane Amorim, esse desequilíbrio acontece pela falta de oportunidade. “Elas não possuem acesso a conteúdos de estímulos, como os livros, durante a primeira infância. Muitas delas só têm a escola como parte do processo de aprendizagem”.

A que você atribui o aumento de crianças de 6 a 7 anos que não sabem ler e escrever?
A dificuldade da alfabetização pode incluir diversos aspectos. Os principais são o cultural, as metodologias aplicadas e os estímulos que a criança recebe desde a primeira infância para que, no período entre 6 e 7 anos, consiga aplicar as técnicas de pensamento a fim de decodificar e adquirir essa fluência na leitura e escrita.

A pandemia foi desafiadora para crianças e famílias. Muitas ficaram fora da escola, perdendo a inspiração que um ambiente escolar proporciona. Um ponto forte neste período de isolamento é em relação aos aspectos do contexto sociocultural. Percebemos que muitas crianças com poder aquisitivo mais baixo, tiveram dificuldade em ter acesso à educação remota. Essa modalidade ficou longe da vida delas e, com isso, permaneceram muito tempo afastadas do processo educativo. Os impactos deste prejuízo, certamente, serão sentidos por alguns anos, principalmente no ensino fundamental I e II.

Qual o impacto da pandemia nesse índice?
O processo educativo é gradativo. De um ano para o outro, a criança precisa reter a base para aplicar no ano escolar seguinte. Se a alfabetização não foi bem desenvolvida, ela deixa de assimilar o processo de leitura, o que impacta na compreensão dos conteúdos da grade curricular. É imprescindível criar um plano para sanar o problema dos processos educativos no país.

Com relação aos conteúdos escolares, é importante que os órgãos responsáveis consigam fazer um mapeamento dos prejuízos para gerar uma nova força de pensamento. Isso irá garantir que o material pedagógico referente ao ensino fundamental I seja leve, mas com consistência para que no ensino fundamental II a criança acompanhe o ritmo e se desenvolva.

Os percentuais de crianças pretas e pardas de 6 e 7 anos que não sabiam ler e escrever tiveram um crescimento considerável em 2021. Por que esse número se destaca?
Este processo se agrava desde antes do período pandêmico. Essas crianças não têm acesso a conteúdos de estímulos, como os livros, durante a primeira infância. Muitas delas só têm a escola como parte do processo de aprendizagem. É importante perceber o que deve ser ofertado em relação ao processo pedagógico, considerando que, em casa, ela não tem inspiração nenhuma.

Crianças brancas, com uma condição socioeducacional e financeira mais alta, têm acesso a métodos educativos e processos educacionais que analisam o indivíduo e potencializam o desenvolvimento, ofertando incentivos, sejam eles tecnológicos ou de contato motor.

Infelizmente, essa desigualdade sempre existiu. Acontece que, durante o período de crise sanitária, as crianças das classes A e B seguiram com a educação. Seja à distância ou no presencial, elas conseguiram ter acesso à escola. Já as da periferia levaram mais tempo para esse retorno e isso vai transparecer nos percentuais de desigualdade de aprendizagem.

Como podemos melhorar esse cenário?
É importante refletir sobre propostas educativas considerando todas as realidades. Além disso, deve-se pensar nas habilidades e competências que as crianças não construíram. Sabemos que, ao longo dos próximos anos, elas ainda apresentarão essa defasagem na alfabetização.

Crianças nascidas neste período de pandemia não tiveram contato social e isso agrava o processo de desenvolvimento da linguagem e de percepção do mundo e tudo isso gera um déficit ao longo do tempo. São crianças com comprometimento sensorial, fala atrasada e dificuldades socioemocionais. Isso sem contar as que evadiram do meio escolar.

O que falta para que essa transformação se inicie?
A criança precisa ter alguém que perceba qual lacuna está sendo formada neste processo e que, a partir dessa compreensão, crie um plano bem direcionado e estratégico. Além disso, é necessário garantir que ele seja executado para ajudá-la a suprir o conteúdo da base. Essa fase inicial precisa ser bem construída para que em 3 ou 4 anos, a gente colha bons frutos.

Uma sugestão é incluir a criança em alguma atividade escolar no contraturno da escola regular para que ela consiga ter um olhar mais individualizado para suprir suas necessidades. O poder público precisa agir rápido, mas as famílias também devem se envolver neste processo para melhorar a condição de educação do país.