As alarmantes desordens do governo federal são de conhecimento pleno – mesmo daqueles que não as consideram nefastas, por “razões que a própria razão desconhece” (Blaise Pascal, filósofo francês do século XVII, se referindo ao que o coração tem). De todo lado, forma, maneira ou ocasião, persistem práticas oficiais incoerentes, falsas e lúgubres. Basta lembrar o Ministério da Saúde, cuja inépcia de comando tentou estraçalhar a dedicação dos trabalhadores da área e foi responsável direta por 120 mil das 660 mil mortes por COVID (dados da Anistia Internacional).
Desde o início e mesmo em mínimas coisas, o Poder Executivo se enlameia pelos erros, sórdida administração, corrupção mais explícita do que filme pornô e incompetência absurda. Um exemplo na Educação: quando Abraham Weintraub era titular da pasta, anotei a frase “O Ministério recomenda que não seja recomendada a recomendação…” Gozação ou nível de instrução de quem, alvo de ações por atos ilícitos, para não ser preso (junho de 2020) fugiu para Washington? Lá, indicado por Bolsonaro, assumiu uma diretoria do Banco Mundial, mesmo com repugnância de embaixadas e 270 entidades internacionais que protestaram por ele não possuir mínimas qualificações profissionais, éticas e morais. Sonhando ser governador de São Paulo, de volta ao Brasil disse que “não veio jogar o jogo, mas para lutar”.
Já o quarto deposto da Educação, Milton Ribeiro, garantiu atender instrução presidencial e priorizar verbas aos prefeitos amigos de Gilmar Santos, assíduo integrante de 22 agendas ministeriais oficiais, sempre ao lado do também pastor Arilton Moura, – “figurinha fácil” que esteve 90 recentes vezes no Congresso. Alguém traiu, gravou e divulgou a promessa, levando à descoberta do detalhe: os pastores cobram vultosas propinas para agendar pedidos e até quilo de ouro, quando o recurso é disponibilizado. O mesmo Ministério quer adquirir 3.850 ônibus escolares para zonas rurais. Com R$732 milhões de sobrepreço, a licitação foi barrada pelo Tribunal de Contas da União. O governo deu “meia-marcha-a-ré” e reduziu de R$ 2,045 bilhões para R$ 1,5 bilhão o valor que se dispõe a pagar. A tardia economia de estapafúrdios R$ 545 milhões só veio diante da pressa em comprar e entregar os veículos em festanças pré-eleitorais. Ainda ficaram “ínfimos” R$187 milhões a mais, para gula dos que se alimentam da praga das “comEssões”! Semelhança com parceiros embusteiros especiais que iam surrupiar 20 milhões de dólares na importação de vacinas, não é mera coincidência. É repeteco de roubalheira! Pior do que em qualquer época, hoje a corrupção é genocida, com desfaçatez que profana até o nome de Deus, em negociatas de Bíblias impressas com fotos e elogios à turma presidencial.
Posando de angelicalmente inocente, Bolsonaro se cerca de imprestáveis. Via de regra, quando sai um péssimo, coloca outro pior ou igual, como na Cultura. Candidato nas próximas eleições, o néscio Mário Frias deixou o cargo de Secretário Especial. Foi substituído por Hélio Ferraz de Oliveira, seu adjunto e companheiro de viagens mundo afora, com quem usufruiu recentes dias luxuosos em Nova Iorque. A dupla foi planejar audiovisual com o lutador de jiu-jítsu Renzo Gracie, bolsonarista com biografia publicada em livro assinado por Roberto Alvim, curiosamente antecessor de Frias no cargo e autor de vídeo de apologia nazista!
Querendo ser eleito congressista, outro exonerado foi Sérgio Camargo. Desde 2019 “plantado” pela família Bolsonaro na presidência da Fundação Palmares, infestou a entidade criada para preservar valores históricos, culturais, sociais e econômicos da influência negra. Sórdido, enalteceu o assassinato da vereadora Marielle Franco, porque “só assim ela deixou de encher o saco”; zombou do espancamento brutal do congolês Moïse Kabagambe num quiosque carioca, como “apenas um vagabundo morto por outros vagabundos”; e asseverou, em torpe preconceito contra a própria raça, ter “vergonha e asco da negrada da esquerda”.
Nos rotineiros desmandos federais, o Ministério da Justiça se insurgiu contra filme de artistas que “não beijam a mão” do Executivo e impediu exibição nas plataformas de streaming da comédia “Como se tornar o pior aluno da escola”. Deu no que o professor de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio, Daniel Sarmento, ipsis litteris afirmou: “o governo viu que tinha feito uma bobagem enorme e voltou atrás. É tudo muito avacalhado, é tão bizarro”. Dias após, acabou cancelada nova tentativa de besteirol censura, proibindo e multando manifestações de artistas no Lollapalooza, em São Paulo.
Na miscelânea de inconsequentes autoridades autoritárias, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que “o Brasil está pronto para a briga na Segunda Guerra Mundial” (acabou em 1945!) e rotulou o Paraguai como “o estado brasileiro com imposto baixo, mais rico e que mais cresce”. O país vizinho reagiu ao acinte em nota oficial: “O Paraguai é e sempre será uma nação livre, soberana e independente, e em homenagem a quem o defendeu heroicamente ao longo de sua história, essas expressões infelizes não podem ser desprezadas”.
Com calamidades provocadas, acumuladas e adotadas sob liderança de Bolsonaro (que afiança haver “decisões que fogem do político e vão para o militar” e voltou a insultar ministros do Supremo Tribunal Federal, exigindo que “calem a boca e vistam a toga sem encher o saco”), nada pode ser descartado, incluindo conflitos como justificativa para regime de exceção. Recentemente rugiu: “Se é para defender a nossa democracia e nossa liberdade, eu tomarei a decisão contra quem quer que seja. E a certeza do sucesso é que eu tenho um exército ao meu lado”. As ameaçadoras “meias-e-inteiras-palavras” sinalizam ser impossível prever o que ele almeja para fazer valer tudo daqui para a frente. Estamos defronte perspectivas extremamente malévolas e perigosas!
*Sergio Prates
Jornalista
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