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Especialistas apontam desafios no combate ao racismo e cobram políticas públicas

A segregação socioeconômica e o preconceito ainda estão muito presentes na sociedade brasileira | Foto: Reprodução

O racismo e a desigualdade racial nas diversas áreas são problemas que afetam o Brasil desde a sua formação. Mesmo com a abolição da escravatura, a segregação socioeconômica e o preconceito ainda estão muito presentes na sociedade brasileira. A população negra continua ocupando os lugares mais baixos na hierarquia social, além de liderar os índices de desemprego, violência, exclusão educacional, entre outros agravantes. Tais informações acendem um alerta, visto que a maior parte dos cidadãos brasileiros (55%) se considera pretos ou pardos.

Martvs das Chagas: “O brasileiro não se enxerga como racista. Essa luta tem que ser feita por toda a sociedade” | Foto: Arquivo pessoal

De acordo com Martvs das Chagas, secretário de Planejamento do Território e Participação Popular (SEPPOP) da Prefeitura de Juiz de Fora e atual secretário nacional de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores (PT), a escravidão foi abolida formalmente, mas não do ponto de vista de possibilitar igualdade entre negros e brancos. “Esse racismo de hoje é estrutural, ou seja, uma coisa que ficou entranhada na sociedade brasileira por quase 400 anos. Acredito que ainda levará um tempo para que esse dano seja reparado”.

Já para Alexandre Braga, especialista em Políticas Públicas de Raça e Gênero pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e presidente da União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro), houve o fim da escravidão em 1888, mas as estruturas de poder continuaram nas mãos de pessoas brancas. “Os negros deixaram de ser escravos, mas não foram criadas políticas públicas efetivas de inclusão. Ou seja, mesmo depois de 130 anos, os problemas da desigualdade com essa população persistem até os dias atuais”.

Ele chama atenção que cerca de 80% dos negros vivem nas vilas e favelas e estão passando fome ou com dificuldade de manter uma alimentação de qualidade. “Isso sem falar na violência policial. No Brasil, a cada 23 minutos um jovem negro, com idade entre 15 e 29 anos, é assassinado. Os negros são 75% dos mortos por policiais. A chance de uma pessoa preta ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes que a de um branco”, afirma.

O secretário do SEPPOP compartilha da mesma opinião. “Até mesmo a violência sofrida é herança do período escravocrata. Nossa polícia tem uma mentalidade que um negro parado é suspeito e se estiver correndo é ladrão. É preciso reconhecer o problema e mudar urgentemente esse quadro. No entanto, o brasileiro não se enxerga como racista, tornando difícil o combate. Essa luta tem que ser feita por toda a sociedade”.

Alexandre Braga: “Os negros deixaram de ser escravos, mas não foram criadas políticas públicas efetivas de inclusão” | Foto: Arquivo pessoal

Uma questão de extrema importância levantada por Braga é a evasão escolar. “Durante a adolescência, cerca de 30% dos negros e negras abandonam os estudos antes de concluir o ensino médio, seja para trabalhar e obter uma renda para ajudar a família ou para cuidar dos filhos. Na vida adulta não conseguem frequentar as aulas, o que traz consequências, principalmente, no mercado de trabalho”, alerta.

Este ano, durante a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), pelo menos 54% dos jovens não comparecerem ao segundo dia de provas. “A maioria deles eram negros. Entre os motivos apurados estão a falta de preparação adequada para o exame, visto que muitos não dispõem de computador, celular e conexão com a internet de boa qualidade para assistir o conteúdo das aulas. Além da precariedade de transporte público para chegar até o local de aplicação”, completa.

Ainda de acordo com ele, os jovens negros serão os mais prejudicados pelo novo ensino médio. “Ele torna obrigatório o aprendizado de matemática, língua portuguesa e estrangeira, mas libera as demais matérias como optativas. Isso significa que o ensino ficou mais tecnicista e limitado, inviabilizando conhecimentos que são cobrados, por exemplo, na prova do Enem”.

Braga esclarece que as cotas raciais foram fundamentais para que a população negra pudesse ocupar os espaços de saber nas principais universidades federais do país. “Elas têm cumprido seu papel na última década, inclusive, algumas instituições já aplicam as cotas raciais também para os cursos de pós-graduação e mestrado”.

Martvs diz que as políticas públicas no Brasil avançam de forma lenta. “Em 2003, foi sancionada a lei federal 10.639, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira dentro das disciplinas. O objetivo foi o de combater o racismo no país e mostrar a relevante participação de negros e índios na construção da identidade nacional, seja na cultura, música, culinária, técnicas, entre outras”.

Já no mercado de trabalho, o presidente da Unegro ressalta que as ocupações e nem mesmo os salários são igualitários. “Um negro exercendo função igual e com a mesma formação de um branco recebe cerca de 50% menos. A população negra está em profissões que são dignas, porém, pouco valorizadas, como motoristas, faxineiros, domésticas, garis e porteiros. O país precisa acelerar as políticas sociais objetivando a formação dos jovens negros também para os cargos de chefia nas empresas de grande porte, emissoras de televisão, entre outros ambientes”.

Como explica Martvs, o desemprego é maior entre a população negra. “Eles estão na pirâmide social e são os primeiros a serem afetados. Em momento de crise, como acontece agora, durante a pandemia de COVID-19, perdem suas ocupações e demoram a se realocar no mercado de trabalho”, conclui.