Com 286 votos favoráveis e 173 contrários, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 591/21, do Executivo, que autoriza que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, conhecida por Correios, seja comprada pela iniciativa privada. De maneira geral, defensores da privatização acreditam que o serviço vai melhorar. Opositores defendem que a atuação da agência nacional já é referência e que a privatização encarecerá os serviços prestados, além de levantarem a possibilidade de um “apagão postal” pelo interior do país, já que entregas em locais distantes não são lucrativas. Agora, o projeto segue para votação no Senado e o plano do governo federal é leiloar a estatal no primeiro semestre de 2022. Para José Rivaldo da Silva, secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), a rapidez com que o projeto avança é “criminosa”.
Qual é a história da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos?
Os Correios completaram 358 anos, uma história que se confunde com a do nosso país. Uma empresa que ajuda no desenvolvimento das nossas cidades. Responsável pela operação de entrega de livros didáticos todos os anos para que as aulas comecem simultaneamente, pelo transporte da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e da logística das eleições.
Se observarmos no mundo, apenas oito serviços postais são 100% privados. Os Correios é lucrativo e exerce um papel de soberania do nosso país e que integra o povo pobre com o rico e vice-versa. Portanto, é uma instituição de extrema importância e estamos vendo o Governo se desfazer dela de uma maneira criminosa, com propaganda na TV dizendo que vai privatizar para melhorar o serviço, o que é uma grande mentira. Privatização vai resultar em duas coisas: demissão de funcionários e atendimento onde dá lucro.
A privatização da estatal é um debate antigo. Quando ele começou e como essa ideia avançou ao longo dos anos?
Desde que entrei nos Correios, há 24 anos, a privatização é debatida. Em vários momentos, conseguimos conter. Nós barramos na época das privatizações do governo tucano e, na gestão Lula, conseguimos o arquivamento dessa proposta. Na entrega para Dilma, em 2011, éramos 128 mil trabalhadores. Depois veio o golpe e, agora, somos 92 mil servidores atravessando um momento muito difícil nesse “toma lá, dá cá” de Bolsonaro com Arthur Lira (PP), presidente da Câmara dos Deputados. Lira tem chancelado tudo e liberado mais de R$ 18 bilhões em emendas para os deputados votarem pela aprovação da privatização. Nós vamos continuar a luta no Senado e, com a sociedade, acreditamos que é possível barrar a privatização criminosa dos Correios.
A proposta garante 1 ano e meio de estabilidade para os servidores dos Correios e a garantia de não fechar agências. Como você avalia essas contrapartidas?
Nos reunimos com o relator do projeto, Gil Cutrim (Republicanos),e, segundo ele, essa ressalva de 1 ano e meio não foi garantida pelo Bolsonaro. Ou seja, o governo pode vetar isso. Os processos de transição, em outros países em que houve esse tipo de privatização, levaram um tempo bem maior, de 5 a 10 anos de estabilidade para transicionar.
Outro exemplo vem de Portugal, embora seja um país do tamanho de um estado brasileiro, após a privatização, várias cidades estão sem atendimento, locais que eram atendidos diariamente, agora é uma entrega por mês. Em outros municípios, o atendimento é a cada 10, 15 dias. É o que vai acontecer com nosso país. Portanto, a nossa avaliação é que essas contrapartidas não vão acontecer. Além disso, elas não atendem a necessidade do Brasil e a estrutura já montada. A gente devia melhorar ainda mais essa parte do atendimento para fazer chegar muito mais rápido todos os nossos serviços, que não é só carta, é toda a malha logística que temos hoje.
Servidores e sindicatos participaram do debate da privatização?
Não participamos porque o debate aconteceu “a toque de caixa” pelo governo federal. Foi tudo na base do “toma lá, dá cá” entre Bolsonaro e o chancelador da sua política nefasta, Arthur Lira. A discussão começou quando o projeto foi enviado à Câmara dos Deputados, houve uma audiência pública e depois deram característica de regime de urgência e não teve nenhuma conversa. Houve o rolo compressor, o Governo tem maioria com emendas para distribuir para todo mundo e isso faz com que as pautas que eles querem aprovar passem rapidamente sem debate com a sociedade.
A Fentect já esperava a aprovação da proposta?
Não é que a gente esperava, mas entendemos que há um jogo político. Sabemos que num Congresso que tem 50 representantes da classe trabalhadora e 563 empresários, latifundiários e outros membros da estrutura econômica, é assim. Uma política estabelecida pelo Bolsonaro de emendas bilionárias, invisíveis e impositivas que Lira pode liberar para os amigos dele. O ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD), gastando dinheiro público para bancar propaganda nacional a favor da privatização. Nós não fomos surpreendidos por isso, lutamos contra e ainda estamos tentando avisar o povo sobre a importância de defender os Correios.
Ao longo dos anos, acompanhamos muitas greves dos Correios, você acredita que isso colaborou para que parte dos brasileiros critique a qualidade do serviço?
As greves aconteceram para evitar perda de direitos e sempre pedindo contratações para melhorar o atendimento. Ao longo dos anos, os Correios sempre bateram recorde de credibilidade e confiança. E isso não é mérito da direção, é por causa do carteiro de todo dia, o atendente, o pessoal da atividade MEI (Microempreendedor Individual) e os gestores.
É uma engrenagem funcionando, quando ela parava é porque estava precisando de uma assistência para continuar operando bem. O que ocorre é que a política estabelecida de 2016 para cá, mirava no desmonte da empresa. Perdemos mais de 30 mil funcionários com planos de desligamento incentivados, o Governo ataca muito mais agora com uma política clara de privatização criando uma sensação na sociedade que os Correios não os atende. Mas, do ponto de vista de logística, a instituição está batendo recorde de entrega de encomendas.
No monopólio postal, onde também tínhamos que estar batendo recorde, a direção tem deixado parado. Existem ordens da direção para não entregar cartas. A fatura simples que precisa chegar ao cidadão, ao qual eles querem convencer que a empresa não é importante, está atrasada pois está faltando funcionário ou porque a política da direção é priorizar outro tipo de entrega, devido à pandemia. Portanto, não tem a ver com o funcionário, uma pessoa que, ao longo da sua vida, se dedicou a fazer um Correios melhor a serviço da população.