No início deste mês, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspendeu o uso da vacina da AstraZeneca contra a COVID-19 em gestantes após uma grávida desenvolver trombose depois de receber o imunizante. Nos EUA, a aplicação da vacina Johnson & Johnson também está interrompida enquanto as agências de saúde investigam casos relatados de um tipo raro de coágulo sanguíneo em pacientes mulheres que receberam o antivírus. Fatos como esses levantam dúvidas como: “e quem tem predisposição ou histórico de trombose na família ou mulheres que tomam anticoncepcionais, condição que aumenta chances de trombose, podem tomar as vacinas?”.
O angiologista, cirurgião vascular e membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), Eduardo Aguiar, explica que a trombose é a formação de um coágulo dentro de um vaso sanguíneo. “Isto não é normal. A parte de dentro do vaso em contato com o sangue não deve permitir que ele coagule. Quando isto acontece, há o bloqueio da passagem de sangue neste vaso. A obstrução ocorre em dois níveis diferentes: um nas veias mais próximas da pele, de pequeno calibre e o outro nas veias profundas da perna que estão no meio da musculatura, de maior calibre, responsáveis por levar 80% do volume de sangue das pernas de volta para o coração. Quando a obstrução ocorre nas veias profundas estamos diante da chamada trombose venosa profunda (TVP)”, esclarece. A taxa de incidência da TVP é de 1 a 2 casos a cada mil pessoas.
Marina Fonseca, médica angiologista e especialista em cirurgia vascular, explica a relação deste quadro com a COVID-19. “A infecção pelo coronavírus pode gerar distúrbios de coagulação, aumentando o risco de trombose. Essa complicação acomete cerca de um terço (31%) dos pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas também tem sido identificada com frequência naqueles que estavam em casa se recuperando. Ainda não sabemos quanto tempo depois do coronavírus a pessoa pode desenvolver trombose, já que é possível em até 1 ano após a infecção. Porém, essa ocorrência é mais comum nos primeiros 30 dias após o início dos sintomas”, diz.
Posso tomar vacina se…?
No caso de histórico de trombose ou predisposição genética da doença, os especialistas garantem que a orientação é tomar a vacina. “Podem e devem tomar o imunizante. Sociedades médicas de hematologia e neurologia vascular, que lidam com trombose e AVC, analisaram os dados descritos das reações vacinais e, mesmo assim, não contraindicam a vacinação. Alguns países da Europa recomendam dar preferência da vacina AstraZeneca para os mais idosos (acima de 60 anos), e a da Pfizer, Janssen e Moderna para cidadãos mais jovens, justamente pelos relatos da reação de trombose induzida imunologicamente terem acontecido em mais jovens. Os casos foram associados a uma reação mediada pelo imunizante, ou seja, autoimune, sendo impossível predizer se a pessoa vai intercorrer com trombose com estas vacinas”, afirma Marina.
De acordo com a angiologista, o risco de reação é de cerca de 0.0004 a 0.0008%, aproximadamente 1 caso em 800.000-1 milhão de vacinados. Na teoria, segundo a médica, se a pessoa tivesse condições de escolher qual imunizante tomar, as recomendações seriam: em pessoas jovens, com menos de 60 anos, dar preferência às vacinas da Moderna, Pfizer e Coronavac. No caso dos idosos, qualquer uma das três. Já na prática? “No Brasil, onde não temos imunizantes para todos ainda, a recomendação atual é: ‘tome a vacina que tiver para você!’”, reforça a médica.
Aguiar corrobora com a colega e afirma que a recomendação é ser imunizado, mas ressalta que pacientes com casos de trombose repetidas devem fazer prevenção medicamentosa. “De qualquer forma, procure seu médico. Não há nenhuma norma estabelecida, portanto, quem estiver nesta situação deve conversar com seu especialista antes de tomar qualquer atitude”.
Muito se fala também sobre os anticoncepcionais aumentarem as chances de mulheres desenvolverem trombose e, como confirma Aguiar, isso não é mito. Mas, de acordo com o médico, se a paciente já toma anticoncepcional e nunca teve problemas, provavelmente não terá em caso de contrair COVID-19. “Entretanto, tudo isso é muito novo para afirmar e a paciente deve conversar com seu médico. Agora, a associação de anticoncepcional e vacina anti-COVID é difícil prever. Se o imunizante usado é um dos relacionados a eventos trombóticos e a mulher estiver em uso de anticoncepcional juntam-se dois fatores de risco. Será que vale a pena fazer uma prevenção medicamentosa? Será melhor suspender o anticoncepcional e adiar a vacina? Adiar por quanto tempo? Ainda não há respostas a essas perguntas e cada médico, junto ao seu paciente, deve decidir o melhor”, defende Aguiar.
Marina reforça que ainda não existe uma recomendação para suspensão do uso de anticoncepcional antes de receber a vacina e também não é indicado abster-se da vacinação quando em uso deste método anticontraceptivo. “O benefício da vacinação é alto, pela redução no risco de hospitalização, de doença grave e morte, com eficácia entre 70% e 90%, dependendo do laboratório. Pela incidência pequena, não justifica não tomar a vacina por medo da trombose”, assegura a angiologista.