Adotado por muitos profissionais nos primeiros meses de 2020 por conta da COVID-19, o home office mudou as relações de trabalho e parece ser uma modalidade que veio para ficar, mesmo após o fim da crise sanitária. De acordo com uma pesquisa da Fundação Dom Cabral, em 2021, cerca de 60% dos entrevistados afirmaram ser mais produtivos exercendo suas funções de casa, ante 44% do ano anterior. As mulheres foram as que mais perceberam aumento da produtividade.
Por outro lado, o estudo também revelou os principais obstáculos do home office. As três que mais se destacaram foram o maior volume de horas trabalhadas (24%), dificuldade de relacionamento e de comunicação, ambas com 16%. Para 14% dos respondentes, o equilíbrio com demandas pessoais é também uma das questões presentes. Mais de 20% das pessoas receiam perder o convívio social caso o trabalho remoto continue.
Sobre esse assunto, o Edição do Brasil conversou com Vânia Marques, especialista em produtividade e comunicação assertiva.
Na sua avaliação, quais razões levaram a esse aumento de produtividade?
Acredito que uma das principais é o tempo economizado no deslocamento de casa até o local de trabalho. Pessoas que demoravam cerca de 2h a 3h no percurso conseguiram reverter isso em atividades e tarefas laborais. O fato de exercer sua função remotamente, não necessariamente de sua residência, fez com que os cidadãos tivessem maior flexibilidade com seus horários, coisa que no expediente comum não seria possível. Permitiu que eles pudessem acordar um pouco mais tarde, passar um período maior com a família, controlar seu intervalo de alimentação.
Outro fator vantajoso é a comunicação assíncrona, ou seja, não ter a necessidade de estar disponível imediatamente e responder as demandas na medida em que tenham tempo disponível. Tudo isso trouxe uma qualidade de vida maior que deixa os profissionais mais felizes, consequentemente, aumentando também a sua produtividade.
Por que as mulheres são mais produtivas no modelo home office?
Na verdade, o que aconteceu com as mulheres foi uma sobrecarga de funções. Além de elas darem conta do trabalho, tiveram que acumular os cuidados com a casa e os filhos. Não sei até que ponto a pesquisa considerou produtividade ou ocupação. O primeiro é quando você está feliz e produzindo mais. Já o segundo é quando se está sobrecarregado e acaba exercendo as tarefas porque precisa fazer. Nesse aspecto, não causa aquela sensação de bem-estar, mas sim de exaustão. Elas também ganharam no tempo de deslocamento de casa até o trabalho, mas no meu ponto de vista, as mulheres foram mais sobrecarregadas do que produtivas.
Como gerenciar melhor o tempo de trabalho e conciliar as tarefas profissionais e pessoais?
É necessário estabelecer uma rotina que inclua hábitos e tarefas da vida pessoal e profissional e que não seja muito negociável. Acontece de muitos ficarem trabalhando só mais um pouco e quando percebem já são mais de 22h e ainda estão na função. Por exemplo, se o seu horário era das 8h às 18h presencialmente, tente manter isso em casa também. Faça a sua pausa para almoço, encerre seu expediente no tempo estabelecido, desligue o computador, deixe a mesa organizada e vá fazer outras coisas para não ficar sobrecarregado. Pratique uma atividade física, assista a um filme com a família ou passeie com o cachorro.
Outra coisa que ajuda a gerenciar melhor o tempo e melhorar a produtividade é fazer pequenas pausas. Se a pessoa fica o tempo todo na tarefa sem parar para descansar, relaxar ou tomar uma água, o cérebro entende que ela precisa gastar energia e isso causa perda no rendimento. Os intervalos são fundamentais para manter a eficiência.
Quais os pontos negativos do trabalho home office?
A pesquisa já evidencia alguns como maior volume de horas trabalhadas, dificuldade de relacionamento e de comunicação e o equilíbrio com demandas pessoais. Em casa, por mais que você consiga ajeitar o seu espaço, tem distrações, como uma televisão ou a família que não entende e pode te interromper. São muitas coisas acontecendo no mesmo espaço. Além disso, há uma grande chance de procrastinação e também existem as pequenas indulgências, como tomar um cafezinho a mais, navegar nas redes sociais, etc. Tudo isso tira o foco das tarefas laborais.
Outro ponto que é ruim é o excesso de reuniões virtuais. Muitos estão chamando de “fadiga do Zoom”. Também existe a postura de alguns líderes que buscam confirmar se o colaborador está realmente trabalhando, ou seja, uma desconfiança que acaba repercutindo na relação. Além disso, há uma falta de comunicação que dê um feedback constante das atividades.
A pandemia forçou o trabalho remoto. Você acredita que as empresas e os colaboradores estavam preparados para isso?
No começo foi uma surpresa e as pessoas imaginavam que seria uma coisa temporária. Mesmo com a abertura de alguns escritórios e estabelecimentos, percebeu-se a produtividade do home office. Agora, a preocupação não é só mais de logística, se o funcionário tem o equipamento ideal e um espaço agradável. O desafio maior está no bem-estar emocional e psicológico. Nesse aspecto, a preparação ainda não está pronta, precisa alcançar outro patamar de diminuir as pressões e tensões. A pesquisa mostra que está tendo mais produtividade, mas diminuindo a sensação de bem-estar.
Como identificar e o que fazer quando perceber um funcionário desmotivado, distante e com dificuldade de foco?
O primeiro sinal é a redução da interação. Por exemplo, aqueles funcionários que eram presentes e davam ideias, mas com o tempo diminuem essa participação. É muito importante analisar também a linguagem utilizada. Geralmente, frases como: “isso é muito difícil”, “não vai dar tempo”, “impossível fazer dessa forma”, são sinais de desmotivação e de que o colaborador está precisando de apoio. O papel do líder é entender isso e bater um papo aberto para que o trabalhador fale de emoções, sentimentos e expectativas para que possa adequar a rotina e a função. Quando ele está assim, começa a errar coisas simples, deixa passar informações importantes e demora a entregar tarefas.