A pandemia alterou a rotina de todos e, em meio a um cenário de incertezas e estresse, tem-se notado o aumento de vícios que estão nascendo ou se potencializando. Dados de uma pesquisa feita no ano passado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostram que quase 35% dos entrevistados que já fumavam, passaram a consumir mais cigarros por dia desde o início do isolamento. Entre eles, 6,4% elevaram em até cinco diariamente; 22,8% somaram mais 10 e 5,1%, em 20 ou mais.
O consumo do álcool também cresceu. É o que mostra o estudo “Uso de Álcool e COVID-19”, publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Segundo a análise, 35% das pessoas entre 30 e 39 anos relataram aumento na frequência de ingestão de bebida alcoólica.
Além disso, dados divulgados pelo Ministério da Saúde revelam que o atendimento por uso de alucinógenos cresceu 54% em relação ao ano passado, enquanto que o de sedativos subiu 50%.
A psicóloga Alessandra Augusto explica que a o isolamento, o desemprego, a desesperança com o futuro trouxeram pontos negativos para a nossa saúde mental. “Como se não bastasse isso, soma-se o fato de a maioria das pessoas estarem com mais tempo livre, o que para alguns fumantes, se tornou a oportunidade de consumir mais cigarros. Para quem bebe socialmente, o hábito de ingerir bebidas alcoólicas com mais frequência”.
Ela acrescenta que o aumento do vício pode estar associado a uma piora de quadros de depressão, ansiedade e insônia, além dos comportamentos compulsivos podem se agravar ou até mesmo surgir nesse período.
Alessandra afirma que a relação do vício com a nossa saúde mental está na busca pelo prazer. “Algumas pessoas conseguem sentir essa sensação por meio de coisas naturais e que não fazem mal. O problema é quando um indivíduo começa a procurar satisfação em componentes que podem trazer mais prejuízos”.
Ela aponta que é possível perceber quando um hábito está se tornando um vício. “Geralmente, vira recompensa de algo. Começa a ser desempenhado com frequência e acaba tornando-se rotina. Além disso, a pessoa pode apresentar sinais físicos aparentes como inquietude e dificuldade no controle dos seus impulsos”.
Perigos
O aumento do uso de alucinógenos também está atrelado com o momento atual. A psiquiatra Jaqueline Bifano explica que, ao fazer uso dessas substâncias, o indivíduo está fugindo da realidade. “Como muitos estão passando por problemas, ou estão sobrecarregados, buscam esse escape. É preciso ressaltar que isso é perigoso, pois os alucinógenos podem desencadear um quadro psiquiátrico como o de esquizofrenia, que pode ser persistente ou não”.
Já em relação aos sedativos, a especialista atribui a quadros de ansiedade e até depressão, cada vez mais comuns. “As pessoas estão ansiosas e preocupadas com o futuro e isso faz com que aumentem o número de sedativos. No entanto, o uso requer atenção, pois pode causar dependência e, com o tempo, prejudicar a memória e as funções executivas, além da possibilidade de virar vício, ou seja, sem a medicação surgem os efeitos colaterais e, assim, é preciso voltar a tomar remédio”.
De acordo com o clínico geral e cardiologista Diogo Umann, há muitas doenças relacionadas ao aumento do alcoolismo, uma delas é a cirrose, que ataca o fígado. “Outras complicações também podem aparecem como problemas gastrointestinais, cardiovasculares e pancreatite. Além de elevar a hipertensão e desencadear um AVC e/ou infarto. Existem ainda relações neurológicas, prejuízos cerebrais, imunológicos, anemias e até mesmo câncer”.
Já o tabagismo, segundo o especialista, pode causar até 50 patologias distintas. “Vários tipos de cânceres em diferentes partes do corpo como pulmão, laringe, faringe, estômago, etc. Doenças rescisórias, enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma e até infecções respiratórias. Há também uma relação com doenças cardiovasculares, angina, infarto agudo, hipertensão, aneurisma, AVC e trombose. Ademais, pode causar úlceras do aparelho digestivo, cataratas e impotência sexual”.
Ele acrescenta que o corpo pode apresentar sinais de estar sendo afetado pelo álcool ou cigarro. “A pessoa pode ter alterações cerebrais, depressão e transtornos mentais, acarretando em sintomas como gastrite, azia, perda de peso e vômitos. O álcool e o cigarro enfraquecem o sistema imunológico e se a imunidade estiver mais baixa, pode ocasionar um quadro infeccioso grave por acometerem os principais órgãos do nosso organismo e, em tempos de pandemia, esse vício se torna ainda pior”.
Mudança de hábitos
Alessandra esclarece que mudanças de hábitos podem nos auxiliar. “A prática de exercício físico ajuda muito, porque libera dopamina e traz um prazer natural para o corpo. Outro ponto importante é evitar ficar vendo notícias negativas, fazer um detox de informações”.
Outra prática relevante para esse momento é refletir sobre nosso dia a dia. “Planejar metas e pensar sobre o uso do nosso tempo. Saber onde estamos empregando nossa energia, o que trará equilíbrio”.
Por fim, é importante estar atento à saúde mental. “Falamos muito em cuidar da higiene corporal, alimentação, mas é fundamental procurar um profissional quanto não estiver conseguindo organizar os pensamentos”, conclui.