Uma pesquisa inédita realizada no Brasil pelo projeto filantrópico Dor Crônica – O Blog – aponta que 50% das mulheres reclamam sobre a valorização que o médico dá às suas queixas de dor. Os dados mostram ainda que 75,5% das insatisfeitas reconhecem que o especialista se preocupa com a doença, mas demonstra pouca atenção aos sintomas relatados.
A análise intitulada Percepção do Atendimento Médico prestado às Mulheres com Dor Crônica foi realizada com brasileiras de 18 a 78 anos (maior parte entre 40 e 60 anos), sendo que 86% sente dor há mais de 6 meses; 62% relatam alta intensidade de dor, e quase um terço (29,4%) tem dor intensa sem ter essa condição “legitimada” pelo médico.
As informações da nova pesquisa demonstram também as críticas das mulheres com relação à equipe de saúde (enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, etc). Duas em cada 10 entrevistadas afirmam que o grupo de profissionais que a atenderam não se preocupa com sua reclamação. Entre as mulheres com dor crônica superior a 6 meses, 32% disse não conhecer o motivo, e uma parcela de 35% garante que não foi informada sobre a origem por um profissional da saúde. A dupla carência atingiu um quarto desse grupo.
Essa avaliação não melhora ao se constatar que uma proporção também significativa de entrevistadas (39,1%) é composta por dois grupos distintos: as que se consideram cientes sobre sua dor, mas não por um profissional da saúde, e as que acreditam não terem sido notificadas. Ou seja, por ação ou omissão, os profissionais não satisfazem as necessidades de informação sobre a dor de suas pacientes em quase 40% dos casos.
Para o pesquisador e criador do blog, Julio Troncoso, os médicos tendem a dar menos atenção às queixas vindas de mulheres por dois motivos. “Geralmente, são causas crônicas persistentes e que não tem nenhum motivo visível. As reclamações não apresentam uma justificativa biomédica, ou seja, não é algo que possa ser detectado com exames. E a segunda razão é cultural, uma vez que, durante séculos, essas dores femininas eram intituladas de histeria. As queixas podem ter fator emocional e, por isso, não é algo confortável de ser tratado, pois não tem uma fundamentação do ponto de vista médico”.
Troncoso acrescenta que alguns especialistas concordam que as dores crônicas tornam a relação médico-paciente desconfortáveis. “Isso porque é necessário um atendimento com frequência, mas no qual não há resultados. Há uma falta de motivação para se tratar esses problemas e que, em geral, são mais prevalentes no público feminino”.
A medicina
O pesquisador acredita que todo esse cenário tenha tido início na história da medicina, na qual não há mulheres. “A medicina está pautada por valores masculinos. A dor, especificamente, é vista pelo homem de uma maneira diferente do que pela mulher. O homem julga a sua masculinidade pelo quanto ele se mantém frio perante a dor, enquanto que a mulher não é assim, reagindo mais emocionalmente e menos sensorialmente”.
Um exemplo disso, de acordo com ele, é a pesquisa médica realizada para avaliar a precisão de um remédio e liberá-lo para venda. “Há 90% de chances de os medicamentos comprados por mulheres terem sido testados em homens ou animais machos nos laboratórios. Com base nisso, a análise tem como objetivo trazer à tona um debate sobre o fato de as dores femininas serem diferenciadas das masculinas. Acende, assim, o alerta sobre isso não ser levado em conta pela medicina. Pior ainda, ser considerado de forma assimétrica, prejudicando o acolhimento que deveria ser dado as mulheres”.
Troncoso diz que a deslegitimação dessas queixas traz um impacto para a autoestima feminina. “A mulher com dor crônica sofre, mas não tem ferida para mostrar. E quando vai ao médico, pensando que será legitimada, não recebe a devida atenção e fica arrasada. E, infelizmente, esse tema não está nas faculdades, nem em congressos e artigos científicos”.
Ele finaliza dizendo que o julgamento do que dá certo ou não na medicina por parte dos profissionais da saúde é todo pautado pela questão biomédica, assim como o que é ensinado. “Nas faculdades se aprende muito a respeito da anatomia e nada sobre a mente. Não se estuda o ser humano como um todo e isso seria essencial em situações como essa”.