Durante uma exibição do programa “A Fazenda”, reality show da Record, a participante Raissa Barbosa não gostou de ser colocada na “roça”, o que significa que poderia ser eliminada. Uma situação previsível do jogo, mas, alterada, a modelo confrontou todos possíveis votos e chegou a jogar água na cara de um adversário. Dias depois, ela brigou com uma colega e, logo em seguida, foi até o banheiro e deu chutes na porta até quebrá- -la. Atitudes exageradas como essas chamam atenção do público, mas a explicação está nas redes sociais da própria modelo: há exato um ano, Raissa foi diagnosticada com Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL) ou Síndrome de Borderline.
De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (APA), a síndrome é uma condição de persistente instabilidade do humor, das relações interpessoais, da autoimagem e da impulsividade. “Os indivíduos com este transtorno apresentam, de forma constante, relacionamentos conturbados, vivências emocionais instáveis e sensação de inadequação em relação ao mundo e a si mesmo. Essas características são graves o suficiente para causar sofrimento extremo à pessoa e podem interferir no seu funcionamento social e ocupacional”, explica a psiquiatra e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Kelly Robis.
Segundo a médica, os sintomas podem se apresentar em forma de comportamentos autodestrutivos, seja com envolvimento em jogos de azar, hábito alimentar disfuncional ou uso de substâncias psicoativas. “Os relacionamentos amorosos e as amizades costumam ser, inicialmente, intensos, mas tendem a ser instáveis. Essas pessoas podem apresentar explosões intensas de raiva e geralmente relatam dificuldade de controlar essa emoção. Além disso, são frequentes os sentimentos crônicos de vazio e tédio. Pode estar presente a incerteza a respeito da autoimagem, sobre o gênero, seus objetivos e os próprios valores. A instabilidade emocional associada a essa sensação persistente de inadequação, além dos problemas de relacionamento interpessoal podem estar associadas a comportamentos que envolvem risco à vida”, afirma.
Em uma de suas redes sociais, a própria Raissa explicou sobre seus sintomas. “Mudo de humor do nada. Acordo bem e de repente fico com raiva, começo a chorar. Isso pode ser observado até quando faço live. Alguém diz algo que eu não gostei, do nada fico brava. Pessoas que convivem comigo e falam qualquer coisinha que eu não gosto, eu já fecho a cara e não consigo disfarçar. E assim como foi do nada, eu já esqueço e volto ao normal. É bem difícil conviver com uma pessoa que está super bem e de repente fica muito mal, triste e chora. Fora isso, também sinto uma angústia súbita”, disse.
De fato, a dificuldade para se relacionar parece ser o grande desafio na Boderline. “Em geral, os conflitos persistentes podem afetar os relacionamentos amorosos e os vínculos de amizade. Muitas vezes, os conflitos estão associados à desconfiança e medo de abandono, no entanto, as reações emocionais podem ser desproporcionais ocasionando rompimentos dos vínculos de amizade e de relacionamento amoroso. Ao apresentar uma constante ambivalência em relação ao mundo e a si mesma, a pessoa com Borderline também pode vivenciar constantes incertezas no relacionamento. Ela tende a sentir extremos emocionais como amor versus ódio e relação de entrega versus desconfiança”, esclarece a psiquiatra.
Segundo Kelly, estima-se que a incidência de Borderline na população mundial é de 6%, ou seja, uma a cada 20 pessoas apresentam o transtorno. Em geral, o diagnóstico é dado no início da vida adulta, já que é preciso cautela para detectar em um adolescente, que ainda está em desenvolvimento.
O tratamento principal é a psicoterapia, especialmente a Psicoterapia Dialética Comportamental. “Pode ser necessário o uso de medicamentos para o tratamento das comorbidades, de acordo com a recomendação médica. O objetivo da psicoterapia é auxiliar no reconhecimento e na identificação de padrões comportamentais e emocionais desadaptativos. O terapeuta auxilia, em geral, na criação de estratégias de controle e enfrentamento das emoções e na redução dos comportamentos que causam problemas de funcionamento e relacionamentos. A possibilidade de cura, ou recuperação total, ainda é pouco reconhecida pela literatura científica. Por outro lado, a comunidade médica reconhece o transtorno como uma condição estável, onde o controle dos sintomas é possível”, finaliza.
“A Fazenda” pode agravar o quadro de Raissa?
Para a psiquiatra, dois pesos precisam ser colocados na balança: a hipersensibilidade da pessoa com Borderline e o preconceito com os transtornos mentais. “O ser humano naturalmente sofre diante da possibilidade de não ser aceito. Todavia, a sensibilidade aumentada à rejeição interpessoal pode ser presente de modo pronunciado nas pessoas com Borderline. Dessa forma, a possibilidade de exposição e de rejeição por parte de uma massa populacional pode ser especialmente um problema para esses pacientes. Porém, a criação de arquétipos dos transtornos mentais a partir da mídia pode contribuir para a formação de mitos sobre a síndrome, sustentando a psicofobia e reduzindo as chances de um tratamento adequado”, opina.