“Acordava todos os dias com medo de morrer”. Foi assim que a auxiliar de financeiro Jenifer Silva, 25, resumiu sua quarentena depois de testar positivo para a COVID-19. Assim como ela, mais de 4 milhões de brasileiros já viveram essa temida experiência, sendo que mais de 128 mil não sobreviveram para contá-la.
A doença é nova, desconhecida e isso foi o que mais trouxe pavor para Jenifer. “Ninguém sabe quem vai viver ou morrer. Antes as pessoas mais jovens tinham sintomas leves, agora estão vindo a óbito. Tive pânico só de pensar em fazer o exame, no entanto, quando peguei o resultado e vi positivo, tudo o que fiz foi chorar. Parece que tinha ganhado uma sentença de morte”.
Ela precisou ficar internada por 3 dias devido à falta de ar, o que ampliou ainda mais seu medo. “Estava fragilizada emocionalmente quando cheguei ao hospital. Foram momentos difíceis, mas os médicos se mantiveram sempre esperançosos, então aos poucos fui tentando me acalmar”.
A psicanalista Sandra Hott explica que, além dos cuidados básicos de saúde, para permanecer forte, o indivíduo deve contar com um apoio psicossocial. “Ele vem por meio familiar e também profissional nesse momento de crise”.
No caso de Jenifer, ela até chegou a buscar ajuda, mas não encontrou. “Minha quarentena foi solitária. Rolou julgamento por eu ter sido infectada, mesmo cumprindo as medidas de isolamento. E pessoas que tenho carinho não me procuraram em nenhum momento. Pode parecer exagero, mas me senti abandonada”.
A solidão, na visão de Sandra pode ser libertadora. “Uma chance de repensar a vida e saber como manter a saúde mental quando o próprio sujeito se vê em risco. É importante se vincular aos sonhos e construir novas ideias de projetos para o futuro. As crises são oportunidades de reformular e criar uma nova história”
Foi seguindo essa linha de raciocínio que a gerente de banco Fernanda Frade, 34, passou pela quarentena. “Não precisei ir ao hospital, pois tive sintomas leves. Porém, a ansiedade me fez buscar a emergência 3 vezes. Fiquei em um estado de alerta o tempo todo”.
Após o 6º dia de isolamento, ela começou a criar mecanismos para se distrair. “Assisti séries e filmes de comédia, li um livro e encontrei jogos para passar as horas, mas a maior parte do tempo fiquei reflexiva”
Depois da quarentena
Após um mês, Jenifer voltou à vida normal. Ainda sente alguns reflexos da COVID, o que os médicos disseram ser natural. A mente, porém, não é a mesma. “Sinto um cansaço com atividades simples, mas o profissional que me atendeu disse que isso se estende em alguns casos”.
Já Fernanda compreendeu que não conseguirá superar o medo completamente sozinha. “Decidi entrar na terapia, já tem 6 semanas que me curei e estou fazendo acompanhamento semanal desde então. Tem me ajudado a colocar os pés no chão”.
A psicanalista diz que a psicoterapia pode ser o caminho, pois a experiência de ter que se isolar não é simples e pode deixar consequências. “Algumas coisas vem à tona: o medo da morte, a consciência da fragilidade, a vulnerabilidade da vida, etc. Administrar isso é um grande desafio. Uma ajuda especializada é fundamental para realinhar esse sujeito que surge após a sobrevivência de uma situação tão extrema”.
O mundo será melhor?
Para Sandra, ninguém passa por um período tão longo como este de forma inócua. “Sempre se espera mudanças, agora, a qualidade dessa renovação vai depender de como a pessoa encara uma crise. A gente não se prepara para condições intensas, nenhum indivíduo estava pronto para encarar essa pandemia. Ninguém teve escolha, fomos todos atingidos pela COVID, testando ou não positivo. Sendo assim, devemos repensar nossa vida e buscar maneiras de sair dessa quarentena mais preparados para as dificuldades”, acredita.