Isolada há mais de cem dias e privada do trabalho presencial e da socialização com amigos e familiares, grande parte da população sonha com um retorno à antiga rotina. Porém, enquanto essa parcela, compreensivelmente, está ansiosa para retornar à normalidade, uma fração dos quarentenados pode apresentar o sentimento oposto: a aflição ao pensar no fim do isolamento.
Conhecida como síndrome da cabana, o quadro é descrito como o medo de sair de casa após um grande período de isolamento. “O cérebro passa a entender que somente confinados estamos protegidos e seguros. Nossa mente se adapta àquela situação, que passa a ser considerada necessária e essencial. Mesmo alguns prisioneiros, após um longo período encarcerados, resistem em voltar à liberdade. A mudança sempre nos tira da zona de conforto, ainda que, para os outros, essa zona seja uma opção ruim. Com a pandemia, alguns continuam saindo de casa, embora com máscaras e tomando todo o cuidado possível. Outros, porém, desde o começo da quarentena evitam até mesmo levar o lixo para fora e não sabem mais como é andar nas ruas. Essas pessoas, provavelmente, terão maior possibilidade de manifestar a síndrome, uma vez que seus cérebros já se adaptaram ao isolamento total”, explica a psicóloga e escritora Lucia Moyses.
O nome dado ao fenômeno é uma referência aos trabalhadores norte-americanos que se refugiavam em suas cabanas quando o inverno chegava e, depois, tinham receio de voltar à civilização quando o frio terminava. “A pandemia exige o isolamento, como ainda não há perspectivas de tratamento ou vacina, alguns estimam que a quarentena vai durar pelo menos até 2021. Um longo período, assim como dos trabalhadores que se refugiavam do inverno, é um grande risco da manifestação dessa síndrome”, diz Lucia.
A psicóloga esclarece que as pessoas que desenvolvem a síndrome vivenciam sentimentos como excesso de angústia, ansiedade e perda de concentração e memória. O indivíduo também pode mudar o comportamento habitual e passar a comer e dormir muito, embora possa acontecer o contrário, perda de apetite e sono, além de sintomas físicos como taquicardia, sudorese e tonturas. “A síndrome da cabana não é considerada um transtorno mental, mas pode desencadear alguns como síndrome do pânico, agorafobia, ansiedade ou depressão”, descreve.
Segundo Lucia, existe uma diferença entre o fenômeno e a síndrome do pânico. “A síndrome do pânico leva ao confinamento, enquanto que na síndrome da cabana o confinamento pode desenvolver o pânico”, afirma. A psicóloga elucida que no momento atual, em que o confinamento ainda é uma necessidade, é difícil afirmar se alguém está com a síndrome ou não, uma vez que o medo do vírus é real e os excessos de cuidados são lógicos. “No entanto, se a perspectiva do fim da quarentena leva a pessoa ao desespero e, junto a esse excesso de cuidado e medo, ela está perdendo a concentração, a memória, sentindo angústia e depressão, dormindo e comendo demais, talvez isso seja uma indicação de que a síndrome já está se manifestando”, diferencia.
A psicóloga comenta que parte do tratamento é respeitar o tempo de cada um. “Não se cobrar e não se culpar por não conseguir sair de casa. Cada um precisa se sentir novamente no controle de sua vida de forma a dominar o seu medo. Lembrar-se de todas as coisas que eram importantes e prazerosas antes da quarentena, quando saía de casa, de forma a condicionar seu cérebro a vencer o medo que o aprisiona”.
Ela acrescenta que um terapeuta pode ajudar em todas essas fases e ainda utilizar a dessensibilização sistemática, uma técnica mais eficiente nesses casos. “É muito importante que o indivíduo procure ajuda profissional caso não esteja conseguindo vencer a síndrome sozinho, pois após um período de duas semanas já é possível desencadear uma depressão grave”, alerta.