Segundo levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), entre abril e junho, cerca de 6,7 milhões de empresários tentaram obter crédito para manter pequenos negócios, mas apenas 1 milhão (15%) conseguiu. E é nesse vácuo deixado pelas instituições financeiras que as empresas factorings querem avançar. Diferente do empréstimo bancário, a prática antecipa ao empreendedor a quantia à vista de uma venda realizada, mas que seria paga em até 3 meses, em troca, fica com o futuro recebimento. Para entender melhor como funciona essa atividade de fomento mercantil, o Edição do Brasil conversou com o presidente do Sindicato das Empresas de Factoring de Minas Gerais (Sindisfac-MG) Roberto Ribeiro.
No que consiste as factorings?
Para isso, preciso explicar a origem. A factoring nasceu na época das mercancias e navegações. Os comerciantes europeus produziam e iam vender suas mercadorias para as Américas e depois retornavam para a Europa. Porém, eles perceberam que poderiam antecipar os recebimentos das vendas das mercadorias. Assim, nasceu a factoring que, basicamente, é a antecipação dos recebíveis. No Brasil, porém, a prática começou na década de 1970 com uma circular do Banco Central regulamentando a atividade, que consiste na antecipação de créditos, por meio da cobrança de uma taxa de desconto chamada deságio. Factoring não é agiotagem, não é empréstimo e não trabalha com pessoas físicas. É uma prática estritamente realizada entre empresas e tem a função de dar maior capacidade de capital de giro para os negócios, ou seja, uma ferramenta para gestão financeira, especialmente utilizada por micro e pequenas empresas e profissionais liberais. Os títulos mais comuns descontados numa linha de factoring são cheques pré-datados e duplicatas. Hoje, essa atividade cumpre um papel econômico fundamental na sociedade e representa boa parte do fomento às pequenas empresas.
Qualquer empresa pode vender seus recebíveis?
Qualquer empresa, independente do tamanho e ramo de atividade, tem o direito de ceder seu crédito. Factoring é a compra de um ativo, não é um produto financeiro, ele é comercial. Empresas que têm valores a receber, se isso estiver documentado e formalizado, têm ativos, créditos e como qualquer ativo, ele pode ser negociado. E o termo técnico para um ativo é a cessão, não venda. A empresa factoring vai pagar por esse ativo quanto ela achar que ele vale. Todo empresário tem legitimidade para fazer isso, inclusive, as melhores e maiores companhias do mundo utilizam a antecipação dos recebíveis. Obviamente, as grandes empresas não vão utilizar as factorings, que é uma opção aos pequenos negócios, mas elas fazem uso da prática por meio de grandes bancos, que também oferecem esse serviço.
Como uma empresa comprova que está apta a uma factoring?
Ela vai passar por uma análise de crédito por parte de quem está comprando aquele ativo. Quando a factoring quer comprar um crédito tem que verificar se ele é seguro. Não existe comprovação de idoneidade, ela precisa vender para quem quer adquirir. E a factoring só vai querer comprar depois de investigar tanto a empresa quanto o sacado, que é o cliente da instituição que vai pagar o título.
Quem arca com a taxa de juros aplicada à venda de ativos?
Não são juros. O que temos na factoring é o deságio, uma taxa de desconto que é o percentual pago pelo título. Por exemplo, se uma empresa produz sapatos e fez uma venda a um lojista de R$ 100 mil que vai ser recebido daqui a 30 dias, quando esse valor for atualizado pelo mercado, a taxa estabelecida será a de deságio. Hoje, elas variam entre 2% e 4% ao mês. Em média, as instituições financeiras são de 1% a 1,5% mais caros.
Assim que o ativo é vendido, o negócio entre empresas e factorings está finalizado?
O processo é seguro para quem está vendendo porque ele recebe antecipadamente seu dinheiro. Agora, existe na factoring o chamado direito de regresso, que significa que, caso o sacado da operação, ou seja, o cliente de quem está descontando aquele título não pague, o cedente da factoring, é obrigado a comprar aquele ativo de volta. Porque o risco de crédito existe sempre, infelizmente, operamos num mercado muito visado por estelionatários. Ocorrem fraudes contra as factorings e sofremos demais com empresas de fachadas que geram recebíveis falsos.
Quais são os critérios das factorings para avaliar se um ativo é bom ou ruim?
Avaliamos o histórico da empresa, há quanto tempo ela foi fundada, sua organização, o nível de profissionalismo, se é uma gestão profissional ou familiar. Fazemos uma visita ao local e checamos como está seu cadastro, se não há restrições, o que não significa que não operamos com entidades que têm restrições. A nossa análise de crédito é mais subjetiva e visa àqueles que os bancos, às vezes, não têm nem interesse porque vai fazer uma apreciação de crédito muito “preto no branco”. Atuamos num campo que os grandes bancos não têm interesse em atingir.
Por que as factorings podem ser uma opção ao empresário que está de portas fechadas com a pandemia?
Com a pandemia, os bancos fecharam as torneiras para empréstimo. Muitas empresas que tinham acesso ao crédito bancário não conheciam as factorings ou até mesmo por preconceito, por achar que é caro ou por pensar que tem alguma ligação com agiotagem. Infelizmente, isso é um fator histórico, na década de 1990 com a hiperinflação, muitos ganharam dinheiro emprestando valores e usavam uma factoring como fachada, o que acabou sujando um pouco o segmento. Esse preconceito ainda existe, mas essas empresas que estão tendo restrições de acesso a crédito pelo sistema bancário podem buscar as factorings para antecipar seus recebíveis. A procura cresceu muito com a pandemia, as pessoas estão percebendo que, pela proximidade com os clientes, podem contar com a gente muito mais do que com os bancos. As empresas reclamam muito dos bancos, no sentido que eles abrem o guarda-chuva quando está sol e fecham quando está chovendo. E não é isso que o empresário precisa na crise, não adianta resolver problema quando não tem nenhum problema.