A rivalidade entre cruzeirenses, atleticanos, americanos, corinthianos e outros torcedores de times de futebol tem ficado em segundo plano nos últimos finais de semana na capital mineira. As torcidas têm se unido e ido às ruas e praças de Belo Horizonte, anteriormente ocupadas por manifestantes pró-governo, para protestar contra o racismo e o fascismo no Brasil.
Um desses exemplos é o Grêmio Associado e Recreativo Resistência Alvinegra, torcida antifascista do Atlético. Criado em 2019 por uma turma de amigos atleticanos, o movimento define-se como uma torcida organizada que vai além de apoiar o Galo. “A criação foi motivada pela falta de posicionamento de outros grupos com relação às bandeiras que encaramos como fundamentais para o bem-estar social. Nós lutamos contra o fascismo, racismo, machismo, homofobia e xenofobia dentro e fora dos estádios. Além desse combate de lutas sociais, defendemos também a democratização do futebol enfrentando o dito ‘futebol moderno’”, afirma um dos membros da diretoria da Resistência Alvinegra, que terá sua identidade preservada.
Sobre o estopim para ir às ruas, o atleticano não vê um fator isolado. “Vejo que foi o acúmulo de todas as decisões arbitrárias do governo. A descrença na ciência, a divulgação da reunião que comprova que o presidente só está preocupado em salvar sua família, a fala do ministro Salles sobre aproveitar uma pandemia para flexibilizar ainda mais as leis ambientais, as declarações absurdas do Weintraub e Damares”, ressalta.
Além do tom crítico ao governo federal, os registros das manifestações mostram cartazes como “Vidas negras importam” e “Justiça por Miguel”, lembrando os recentes assassinatos de George Floyd, 46, nos Estados Unidos, e do garoto João Pedro Mattos Pinto, 14, no Rio de Janeiro, por policiais e a morte do menino Miguel Otávio de Santana, 5, filho de uma funcionária doméstica, que morreu ao cair do 9º andar de um prédio de luxo no Recife, enquanto estava sob os cuidados da patroa da mãe, Sari Corte Real.
“As torcidas organizadas, por serem formadas majoritariamente pela classe trabalhadora e por já estarem acostumadas a serem marginalizadas, foram os primeiros movimentos a criarem coragem de ir à rua nesse momento tão conturbado e contraditório da nossa história. Defendemos o isolamento social, mas, conforme frisamos, a assustadora escalada do fascismo nos assusta tanto quanto a letalidade da COVID-19. Orientamos os manifestantes a seguirem todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), com algumas medidas até mais rigorosas que as do órgão. Mas, não poderíamos cruzar os braços nesse momento de ameaça à nossa democracia. A nossa oposição estava muito acomodada, sentindo-se dona das ruas”, defende.
O grupo rechaça os comentários que defendem que política e futebol não devem ser misturados. “A pessoa que acredita que futebol e política não se misturam entende de futebol tanto quanto entende de política: nada. Tudo é política, inclusive o futebol. Vimos diversas vezes na história governantes usando clubes de futebol para aumentar seu prestígio popular, um grupo usar os estádios para protestar por direitos e grandes jogadores viraram símbolos de luta, como é o caso do nosso ídolo Reinaldo. O atual presidente do Brasil entende muito bem isso e é muito oportunista nesse sentido.Sempre aparece com uniformes de diversos times na tentativa de melhorar sua imagem. Deixamos claro que ele não representa a Massa do Galo. Futebol e política sempre caminharam juntos, não somos nós que misturamos, nós apenas não separamos”, declara.
Sobre a continuidade dos protestos, a resistência diz que dependerá da oposição. “O principal motivo para ir às ruas foi fazer oposição às carreatas bolsonaristas. Eles já estão recuando e, se isso acontecer, a ideia é ficar em casa e se proteger da COVID-19. Ainda estamos planejando os próximos passos e ainda não tomamos nenhuma decisão. Queremos chegar aonde a ‘esquerda tradicional’ não vem chegando”, concluem.
Foto/Crédito: Cadu Passos