Nascido em Moema, no Centro-Oeste mineiro, o físico e engenheiro Ivair Gontijo é um daqueles brasileiros inspiradores. Ele é uma das mentes por trás da tecnologia envolvida na construção do robô explorador Perseverance, da Nasa, que posou em Marte em fevereiro deste ano após 7 meses de sua partida da Terra. Esse veículo exploratório é o quinto e mais sofisticado jipe-robô construído pela agência espacial norte-americana, e sua missão é encontrar vestígios de vida microbiana que possa ter existido no planeta vermelho.
O Edição do Brasil conversou com o mineiro sobre sua trajetória profissional e a missão marciana na qual ele trabalha.
Como foi sua trajetória profissional até a Nasa?
Por várias vezes, tentei um emprego na Nasa e não foi na primeira que deu certo. Leva tempo, essas coisas acontecem para quem continua insistindo e tem a paciência de esperar a hora certa. Minha trajetória até a Nasa é tão complexa, cheia de dificuldades e com tantos desvios que até escrevi o livro “A caminho de Marte”, ganhador do Prêmio Jabuti de Livro de Ciência no Brasil. Nele, conto minha história desde o interior de Minas, passando pela Escola Agrícola de Bambuí, onde me formei técnico agrícola e depois trabalhei no município de Pirapora, no Norte de Minas, até meu trabalho na Nasa. Não era meu sonho quando criança trabalhar lá, porque naquela época ninguém dizia que se podia ter sonhos assim.
Como é o dia a dia do seu trabalho?
Desde 18 de março de 2020, estamos trabalhando de casa e, apenas em situações especiais em que são absolutamente necessárias, nos deslocamos para atuar presencialmente. Tenho atuado em operações no planeta Marte. Desde 30 de julho do ano passado, a espaçonave estava em movimento a caminho do planeta, então participava pela manhã de uma reunião onde a gente checava os dados, conferia a “saúde” da espaçonave e garantia que estava tudo certo até o dia do pouso, que foi extremamente emocionante. E, agora, trabalhamos em operações na superfície de Marte. Basicamente, nós analisamos os dados vindos do planeta, chegam de lá centenas de informações via satélite em órbita marciana, nós interpretamos esses materiais para garantir que todos os instrumentos estejam funcionando corretamente, com as temperaturas corretas e que está tudo bem. Passamos esses dados para o grupo que está criando a sequência de comandos que serão enviados ao robô para que ele trabalhe no dia seguinte em Marte ou o “sol seguinte”. Chamamos o dia marciano de sol porque ele é 40 minutos mais longo que um dia terrestre.
Quais são os principais objetivos da missão Perseverance?
O robô Curiosity, que chegou em Marte em 2012, tinha como objetivo seguir a água, o que a gente chama de um local habitável, ou seja, uma zona que poderia um dia, num passado distante, ter apresentado as condições necessárias para o desenvolvimento de vida no planeta.
O robô Perseverance é diferente, ele está seguindo o carbono. Nós estamos procurando por materiais orgânicos genuinamente marcianos e quando descobrirmos eles, coletaremos amostras que serão colocadas em tubos de metal, selados e deixados na superfície de Marte. Se tudo der certo, uma missão futura irá a Marte em um pequeno veículo e com um foguete carregado com combustível que descerá no mesmo local para recolher as amostras e disparar o foguete para a órbita do planeta marciano.
Uma terceira parte estará aguardando na órbita para pegar o material e trazê-lo a Terra, onde faremos estudos desses elementos. Nós pousamos em um lugar espetacular de Marte, a cratera Jezero que já foi coberta de água em um passado distante, era um lago e tinha até um rio que corria para dentro dela. É possível ver nitidamente o leito seco e o delta do rio. Portanto, são rochas sedimentares, aqui na Terra são nesses tipos que encontramos fósseis e outras evidências de vida. Queremos trazer essas amostras para Terra porque, hoje em dia, nós temos técnicas sofisticadas de química, física e biologia molecular para estudar esse material, mas isso envolve equipamentos que enchem um laboratório inteiro ou, às vezes, um edifício. Então não dá para levar para outro planeta.
Você considera que, no futuro, pessoas comuns poderão visitar Marte?
No presente, os desafios para uma viagem tripulada para Marte ainda são gigantescos. Não sabemos nem como produzir o oxigênio para as pessoas respirarem durante a viagem que levaria quase 9 meses ou para sobreviver na superfície do planeta, além da volta à Terra. Ou, por exemplo, produzir comida para esse período. São desafios imensos, mas são obstáculos de engenharia que, se a gente realmente quiser resolver, são resolvíveis. Nós vamos criar soluções para isso no futuro. É impossível dizer, no momento, quando ou como isso vai ocorrer, mas, acredito que vai acontecer e, possivelmente, estarei vivo para ver os primeiros humanos que pisarão na superfície de Marte.
Como cientista e estudioso da área, você acredita em vida inteligente fora da Terra?
Acreditar ou não, não tem muita importância. Acho que devemos nos questionar qual a probabilidade da existência de vida fora da Terra e essa pergunta é muito difícil de responder. Esta é uma das grandes dúvidas que está com a humanidade há séculos e não fizemos praticamente nenhum progresso. O que podemos dizer é que a nossa estrela, o Sol, é um astro comum. Então é possível que nessa multidão de galáxias e estrelas, em que parecem existir planetas, existam locais em que a vida também possa ter se desenvolvido. Não temos evidências de que isso aconteceu em outros lugares e vamos continuar fazendo essa pergunta até que ela seja respondida de uma forma ou de outra. É claro que seria a descoberta mais incrível que a humanidade poderia fazer.