A sociedade tem enfrentado inúmeras mudanças para evitar a propagação do coronavírus no Brasil e no mundo. Home office, ensino em casa para as crianças, deliveries da maioria dos serviços, médicos e psicólogos se rendendo à telemedicina (consultas por vídeo) e outras adaptações se tornaram reais há mais de um mês.
Ana Carolina Chagas, mestre em Ciências Sociais, observa que essas adequações podem interferir, inclusive, na maneira de consumir e viver em sociedade. “A pandemia pode fazer com que o país entre em um processo de mudança social, com revisão das atuais normas, regras e valores vigentes”, acredita.
De um modo geral, como era o comportamento do brasileiro antes do coronavírus?
Não somente o brasileiro, mas, praticamente, todos os indivíduos inseridos na cultura ocidental agem motivados por um ethos racional, ou seja, adequam as ações em função de seus objetivos, procurando o melhor e menor caminho para atingi-los. E essa conduta resulta em uma sociedade na qual o indivíduo se torna mais importante que o grupo, diminuindo os laços de solidariedade social.
Estamos pagando a conta desse individualismo agora?
Acredito que não. Talvez não seja interessante avaliar a situação como uma espécie de punição. Não é a primeira pandemia enfrentada pelo Brasil. À época da gripe espanhola (1918- 1920), por exemplo, tínhamos uma organização social mais tradicional que nos dias de hoje, ou seja, o país ainda tinha uma consciência coletiva que se sobrepunha às consciências individuais, com laços de solidariedade mais pujantes, e nem por isso os efeitos devastadores do vírus foram menores.
Como a pandemia vai mudar nossa forma de viver em sociedade?
Ela pode fazer com que o país entre em um processo de mudança social, com revisão das atuais normas, regras e valores vigentes. A ciência que, até então, era vista como a principal forma de conhecimento produzida pelo homem, por exemplo, pode entrar em um processo de descrédito, em função da morosidade da descoberta de medicamentos ou vacina que combata o vírus. E, talvez, o ponto de apoio das mentes humanas migre para as relações sociais, senso comum ou religião como fonte de segurança e conforto emocional.
A COVID-19 e o isolamento social podem ressignificar a forma como as pessoas consomem?
Com certeza. Em um momento de pandemia os hábitos de consumo são bruscamente afetados e podem, inclusive, ser repensados após o fim do isolamento social.
Você acredita que o coronavírus aumentou a urgência de viver das pessoas?
Certamente os indivíduos em isolamento passaram a viver situações e emoções cotidianas que estavam encobertas pela correria da rotina de trabalho e estudo. Neste caso, depende de cada um fazer uma autoanálise e redesenhar suas próprias condutas após o fim do distanciamento. Além disso, o momento também é oportuno para a redescoberta de valores esquecidos, como o voluntarismo e de coisas simples, por exemplo, a refeição em família.
Alguns aproveitam o isolamento para fazer cursos on-line. Como você enxerga isso?
Esse processo de advento das tecnologias educacionais pode trazer efeitos positivos e negativos, dependendo da forma como passaremos a usar essas ferramentas. Alguns processos de trabalho (de ensino e aprendizagem) podem ser reinventados, mas é preciso ter cautela. Em algumas áreas, a construção do conhecimento só se efetiva mediante o estabelecimento de relações face a face, ou seja, o ambiente presencial de estudos ainda é a ferramenta mais eficaz de desenvolvimento cognitivo