Os casos de ataques a jornalistas e veículos de comunicação cresceram 54% em 2019, conforme revela o relatório “Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil” da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). O número passou de 135 em 2018 para 208 no ano passado. Um fato a destacar é que o presidente Jair Bolsonaro foi responsável pela maior parte desse aumento. Sozinho, realizou 121 (58%) dos ataques, sendo 114 ofensivos genéricos e generalizados, além de sete agressões diretas a jornalistas. Para falar mais sobre a liberdade do exercício da imprensa, o Edição do Brasil conversou com a presidente da Fenaj, Maria José Braga.
A liberdade de imprensa no Brasil está ameaçada?
De fato, o país está vivendo um período muito grande de ataques aos jornalistas e aos meios de comunicação em geral. A violência contra os profissionais é uma das tentativas de restringir a liberdade de imprensa e de expressão. Nesse sentido, se constitui uma ameaça que, felizmente, não está se concretizando. Isso porque os jornalistas e a maioria dos veículos de imprensa estão resistindo, não estão se intimidando e continuam fazendo seus trabalhos.
Por que ataques a imprensa estão mais frequentes?
Tivemos em 2019 um fato político que acarretou essa explosão de ataques a jornalistas e veículos de comunicação: a posse do presidente Jair Bolsonaro. Infelizmente, antes mesmo de ser eleito, o chefe do poder Executivo já demonstrava não ter apreço pela democracia e pelas instituições democráticas, como a imprensa. Ele tem utilizado a Presidência da República para atacar, genérica e generalizadamente a imprensa. Isso fica muito claro quando o presidente fala ou publica em redes sociais que os meios de comunicação são mentirosos, só divulgam fake news ou que foram comprados e só fazem campanha contra ele. Também ocorreram ataques direcionados a profissionais por diversas vezes.
Quais medidas os governos já tomaram para cercear o trabalho da imprensa?
A queda do diploma para o exercício da profissão há 10 anos em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). No entendimento da Fenaj, existe uma distinção entre liberdade de expressão e de imprensa. O primeiro é um direito de todo e qualquer cidadão de manifestar sua opinião, enquanto que o segundo se trata da liberdade dos profissionais e veículos de comunicação produzirem e difundirem informações jornalísticas.
Por isso, consideramos que o argumento do STF de que exigir o diploma fere a liberdade de expressão é um equívoco de interpretação.
No fim do ano passado, o presidente baixou a Medida Provisória nº 905, do Contrato Verde e Amarelo. Ela serve para estimular a contratação de jovens em seus primeiros empregos, mas também retira diversas obrigações trabalhistas. No meio do documento foi incluído um artigo eliminando a exigência do registro profissional. A medida ainda precisa ser aprovada nos plenários da Câmara e do Senado ou perderá a sua validade.
Qual a importância dos veículos de comunicação exercerem seus trabalhos livremente?
A imprensa é fundamental para a democracia e para a constituição da cidadania. Acreditamos que a democracia representativa precisa ser cada vez mais participativa. Os cidadãos somente podem participar do debate e das decisões públicas, seja no âmbito nacional, estadual, regional ou local, se obtiver informações de qualidade para que possa avaliar o fato e se posicionar.
Um exemplo disso é a pandemia de coronavírus, no qual o mundo inteiro está se mobilizando para minimizar os efeitos, enquanto que no Brasil o presidente da República age contrário a todas as recomendações das autoridades de saúde. A imprensa tem tido um papel importante para esclarecer a população o que está acontecendo, além de cumprir a função educativa de como as pessoas devem agir para se protegerem.
Vários repórteres já sofreram agressões verbais durante coletivas do governo. Como você avalia essa postura?
Essa é uma postura autoritária e violenta por parte do Bolsonaro, que não tem respeitado o trabalho da imprensa. As agressões verbais são uma das formas de intimidação para tentar calar os profissionais. Elas não são uma reação espontânea ou uma crítica como o próprio chefe do Executivo tenta nos fazer acreditar. Ninguém quer ser agredido e exposto a uma situação constrangedora, como a que tem se repetido na porta do Palácio da Alvorada. A Fenaj repudia esse comportamento e acredita que isso fere o decoro do cargo de presidente.
O Palácio da Alvorada não tem sido utilizado para conceder entrevistas produtivas, afinal, o presidente nunca deu uma informação de relevância. O cenário tem sido de agressão, chacota e constrangimento aos profissionais jornalistas. É um espaço de provocação à imprensa, que ele considera como inimiga, aproveitando ainda o apoio dos seus correligionários. Aquele não é um local adequado para realização de entrevistas.
Para tentar evitar esse cenário, a Fenaj buscou as entidades representativas dos veículos de comunicação, porque acredita que uma das maneiras de cessar os ataques seria que eles não exigissem que seus profissionais permanecessem naquele ambiente.
Os jornalistas podem ser impedidos de realizarem seus trabalhos?
Os veículos de comunicação e os jornalistas não podem ser impedidos de realizarem seus trabalhos. A Constituição Federal, além das liberdades individuais, de pensamento e de expressão, garante que a imprensa tem o direito de exercer seu trabalho livremente, sem absolutamente nenhum tipo de controle ou censura.
Como os jornalistas ou os veículos podem denunciar ataques?
Os crimes contra a honra são considerados ataques individuais. Um jornalista agredido pode processar o presidente da República por injúria, calúnia ou difamação. Um dos exemplos recentes é o da jornalista Patrícia Campos Mello que iniciou uma ação por difamação contra Bolsonaro.
O que a Fenaj pode fazer é entrar com uma ação por dano moral coletivo, ou seja, as agressões que o presidente faz atingem toda a categoria jornalística. Acontece que todo processo contra o chefe do Executivo, que não seja por crime de responsabilidade, somente será julgado depois que ele deixar o cargo. Mas são medidas que podem e devem ser tomadas, justamente como forma de deixar claro que os profissionais não aceitam esse tipo de comportamento.