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Cadeias superlotadas x criminalidade em alta

Com a terceira maior população carcerária do mundo, o Brasil não impressiona apenas pelo número de presos, mas também pelo constante crescimento. Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, em junho de 2016, 726.712 pessoas estavam presas no país. Em dezembro de 2014, era de 622.202 – crescimento de mais de 104 mil pessoas. Além disso, aproximadamente 40% eram provisórios, ou seja, ainda não possuem condenação judicial; sendo que mais da metade são jovens de 18 a 29 anos e 64% são negros.

Para entender melhor esse universo, o Edição do Brasil conversou com Luiz Flávio Sapori. Ele possui doutorado em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ (2006). Foi secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais no período de janeiro de 2003 a junho de 2007. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública (CEPESP) da PUC Minas. E tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia do Crime e da Violência, atuando principalmente na justiça criminal, polícia, organizações, violência policial e violência.

Por que as cadeias estão cada dia mais cheias e a violência não diminui?

Na verdade, a polícia prende menos em relação a intensidade de crimes que acontecem diariamente no Brasil. A população prisional é grande e o número de crimes também, por isso existe uma visão equivocada de que há um encarceramento em massa, o que não é o caso. Além disso, há poucas vagas no sistema prisional e deveria-se prender melhor: mais homicidas, assaltantes e estupradores e menos traficantes.

Os níveis de investigação são baixos, polícia e justiça são ineficientes. A população prisional reflete um sistema que funciona mal. O indicador de números de presos não revela que, na verdade, o sistema de segurança pública é ruim e não existe um excesso de punição, o que há é um déficit de sanções. Por isso que o crescimento de presos não está refletindo na redução dos crimes, pois há ainda um grande contingente de criminosos circulando nas ruas.

O Brasil é o país da impunidade?

Sem dúvida nenhuma. A gente continua sendo e, se nada for feito nos próximos anos, vamos pagar um preço muito alto por isso. Essa impunidade se revela no baixo grau de incerteza de punição, na dificuldade da polícia, na morosidade da justiça, no sistema prisional mal gerenciado e na leniência das leis para algumas situações. A impunidade é atônica na justiça criminal.     

Podemos dizer que ainda existe um perfil de preso?

Sim, não há dúvida. As pessoas mais presas são aquelas que, de alguma maneira, têm mais facilidade de cair na malha da justiça. São segmentos mais jovens, homens, residentes na periferia urbana, envolvidos com tráfico de drogas, roubos e furtos.   

Por que as reincidências em crimes são grandes?

Ainda não temos uma noção do tamanho das reincidências. Porém, é abaixo do que se divulga, pois falava-se de 60% a 80%. Não tem nenhuma pesquisa científica que comprove isso – são estimativas sem base de dados. Na verdade existe um estudo sobre esse assunto, no qual eu coordenei e foi publicado no ano passado, que mostra que a reincidência em Minas Gerais está em torno de 51%.

Mas esse número ainda assim é muito alto. É um patamar que revela que o sistema prisional é superlotado, mal administrado e a prisão virou um escritório do crime. Não há projetos consistentes de reintegração para aquele preso que está cumprindo uma pena. Muitos dos que voltam para a vida social vão retornar ao crime. Faltam projetos e iniciativas de reinserção mais ativas desse regresso.

A Apac é uma saída para o sistema carcerário?

Não é uma saída, mas sim uma alternativa. Ela não tem como substituir o sistema prisional convencional, pois não consegue atingir uma grande quantidade de presos. A Apac é um sistema voltado para um contingente pequeno, uma unidade modesta, com no máximo 150 presos, e tem o perfil comunitário, além de atender apenas os criminosos do município. Ela é uma ótima alternativa, pelo seu viés humanitário e religioso, entretanto não pode ser saída e nem substituir o sistema carcerário.

Por que a Apac não é para todos os presos?

Nem todos os presos se adaptam, porque na Apac há um protocolo religioso e um ritual próprio do lugar e nem todos querem passar por isso. A seleção existe e baseia-se em quem está disposto a seguir as regras. A maioria dos presos não querem seguir a metodologia de lá, porque o sistema prisional tem mais regalias, como, por exemplo, usar drogas. Ademais, o dinheiro circula dentro dos presídios e na Apac não. Ela é só para quem quer realmente mudar de vida.

O sistema carcerário é mais cruel com as mulheres do que em relação aos homens?

O sistema prisional, na verdade, é mais duro com o homem, pois eles representam mais de 95% da população presa, o que corresponde a quase a totalidade do sistema.