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Brasil caminha a passos lentos para ser um país livre de LGBTfobia

A realidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT) no Brasil ainda está longe de ser segura. Prova disso, são os dados sobre a violência que esse grupo enfrenta, tendo a LGBTfobia como principal consequência. De acordo com o levantamento do Disque 100, foram recebidas 1.685 denúncias em 2018, que resultaram em 2.879 violações. Desse total, 70,56% são referentes à discriminação, seguida por violência psicológica – que consiste em xingamentos, injúria, hostilização, humilhação, entre outros (47,95%), violência física (27,48%) e institucional (11,51%). O fato mais assustador é que foram contabilizadas 138 denúncias de homicídio.

No entanto, as estatísticas do Grupo Gay da Bahia (GGB), a mais antiga associação brasileira de defesa dos direitos gays no Brasil, apontam para um número ainda maior. Em 2018, foram documentadas 420 mortes, incluindo homicídios e suicídios, o equivalente a um caso a cada 20h. Os dados colocam o país como campeão mundial de crimes contra a população LGBT. Sobre este tema, o Edição do Brasil conversou com Oswaldo Braga, jornalista e presidente do Movimento Gay de Minas (MGM).

Qual é a razão para o público LGBT ser alvo constante de violência?

O preconceito aparece de formas diferentes para cada situação. Quando é pela orientação sexual, se revela por meio da violência, seja física ou verbal. Isso porque os homossexuais desafiam esse conceito de masculinidade tóxica muito presente na sociedade.

Outro ponto, é que a intolerância pode se manifestar por meio de pessoas que tem sua sexualidade mal resolvida. Se pegarmos a fundo os dados do GGB, grande parte dos assassinatos é uma queima de arquivo. A pessoa tem algum relacionamento com um homem gay ou travesti, depois mata, pois teme que sua orientação sexual seja revelada.

Por que o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo incomoda tanto?

A razão é que a população LGBT quebra os padrões e as pessoas não estão acostumadas a verem dois homens manifestando afeto. Ainda tem em mente o conceito de família como pai, mãe e filho. Quando alguém diz que não gosta de ninguém se agarrando em público, seja hétero ou gay, é mentira. As pessoas tem um olhar mais criterioso e são mais rigorosas quando se trata de casais homossexuais. Muitos até aceitam o relacionamento, desde que não demonstrem carinho em público. Só na casa deles e na intimidade é que se pode ter uma relação mais próxima.

Como a visibilidade de personagens LGBT nas novelas pode contribuir?

Acho importante o papel da televisão no sentido de passar uma referência positiva para a comunidade LGBT. A novela das 21h da rede globo tem mostrado a história de um personagem gay que relutou em assumir sua sexualidade, passou por dificuldade para contar para a filha e, hoje, vive seu amor sem medo de ser feliz. Isso traz algumas semelhanças com a realidade e muitos podem se identificar com a história. Mas, nem sempre foi assim. Antigamente, a televisão passava uma imagem estereotipada do gay, principalmente em programas de humor. Isso mudou ao longo dos anos, mostrando que eles estão ocupando cada vez mais espaço.

A criminalização da LGBTfobia pode ajudar a reduzir os índices?

A medida foi muito positiva. Acredito que uma lei não resolve os casos de violência ou assassinatos, fora os que são subnotificados, mas ela ajuda a construir novos conceitos, formas de educar os filhos e gerações menos preconceituosas no futuro.

O preconceito existe há algum tempo, por que a criminalização só foi discutida agora?

Isso aconteceu por pressão da sociedade, principalmente dos movimentos civis LGBT que já vinham lutando há anos até que chegou um momento que o assunto teve que ser pautado. O ideal seria que a Câmara tivesse votado uma lei que criminalizasse, especificamente, a homofobia. Como não saía do papel por algumas questões, como a bancada conservadora e religiosa, a justiça solicitou ao Supremo que regulamentasse a situação. E aí foi feito a equiparação do crime de ódio por orientação sexual ao racismo.

Algumas pessoas consideram a medida como vitimismo, como você avalia essa postura?

No entendimento da maioria, quando alguém mata uma pessoa já tem a punição prevista em lei. Mas, existe um agravante que precisa ser considerado na justiça que é o crime de ódio, ou seja, o assassinato ocorre pelo preconceito e em função da vítima pertencer a um certo grupo.

O fato é que as pessoas sempre vão tentar diminuir a importância do amor, comportamento e jeito de existir da população LGBT, porque fazendo isso, evitam que esse grupo se legitime. No entanto, elas têm que saber que a homossexualidade não é nenhuma novidade e já existe desde o tempo das cavernas.

O que mais pode ser feito para mudar essa realidade?

A primeira coisa que precisamos focar é na educação formal para conseguir reduzir a LGBTfobia, sobretudo no ambiente escolar. Acredito que temos que formar uma geração não preconceituosa para que esses também criem seus filhos dessa forma. Assim, talvez consigamos colocar um fim nesse ciclo. Além disso, não podemos deixar de lado ações de segurança, que garantam a tranquilidade e a vida da comunidade LGBT.

No sentido da educação, já houve algumas iniciativas no Brasil, como um material preparado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) junto ao Ministério da Educação (MEC), para orientar professores a lidar com a LGBTfobia no ambiente escolar. Antes mesmo do lançamento, a turma conservadora tomou conhecimento e o governo federal acabou recuando.

Foi um trabalho feito com seriedade, inclusive com apoio da Unesco, mas que, infelizmente, nunca chegou a ser distribuído. O projeto foi interrompido nos governos anteriores e sem previsão de retomada. Na gestão atual também acho difícil, porque quase tudo relacionado à população LGBT tem sido barrado.