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“Portas se abrem na porrada”, diz crítico de cinema sobre representatividade no Oscar

O Oscar 2019 repercutiu pela diversidade: nunca tantas mulheres e negros foram tão premiados. Para falar sobre diversidade e representatividade na maior cerimônia do cinema, o Edição do Brasil conversou com Pablo Villaça, escritor, crítico de cinema e editor do site Cinema em Cena, um dos mais antigos no Brasil.

O argumento de que esse foi o Oscar da diversidade se confirma?
Houve uma diversidade muito grande na premiação. Isso é um reflexo não só das produções mas, principalmente, das mudanças na composição da academia (votantes do Oscar). Nos últimos 3 anos, ela tem se esforçado, principalmente depois da última edição em que a completa ausência de indicados negros, em todas as principais categorias, provocou uma revolta que levou ao #OscarSoWhite para mudar a composição dos seus membros. Normalmente, eles convidavam 100 pessoas por ano para se juntar à academia, começaram a chamar mais e deram prioridade para negros, mulheres, asiáticos e LGBTQI. Mas a mudança não é rápida, porque a academia tinha 6.400 membros naquela edição, agora ela está com pouco mais de 7 mil, quer dizer, não é o suficiente para modificar radicalmente.

O fato de Spike Lee, durante um discurso sobre racismo, ter o microfone cortado é controverso com a narrativa de espaço para diversidade?
Certamente não foi por causa do discurso. Ao contrário, eles deixaram o Spike Lee falar muito mais do que o tempo que, normalmente, reservam para os vencedores. Quem é que ia interromper o Spike Lee depois de tanto tempo em que ele finalmente venceu um Oscar competitivo? Um cara que já devia ter uma estante cheia. O que aconteceu foi que ele falou, leu o papel todo, saiu do microfone e deu um pulo. Imediatamente, a produção começou a tocar a música, quando ele voltou, o microfone estava cortado. A pausa deu a entender que ele já tinha acabado. Cortar o microfone é algo que acontece desde sempre. Nas primeiras cerimônias do Oscar, na década de 20, tinha gente que discursava durante 3 horas, por isso a academia tem a preocupação de estabelecer um limite.

Como melhor filme venceu Green Book sobre a jornada de um pianista negro e seu motorista branco na época de segregação racial. Essa vitória significa um avanço?
O Green Book é um atraso, um retrocesso, em relação ao que a academia vinha demonstrando. A estrutura do filme reflete a um racismo institucional inquestionável. O filme está falando sobre um pianista negro, que foi um cara formidável e tem uma história de vida brilhante e que pouca gente hoje em dia conhece, ou seja, era uma oportunidade de apresentar o Don Shirley para toda uma geração. E conta como ele é relegado ao segundo plano por ser negro, mas o próprio filme faz isso. O longa usa o personagem como uma escada para o arco de redenção do motorista racista, sem falar que tentam compensar o racismo do cara branco, porque ao mesmo tempo que ele aprende com Don Shirley, ele ensina ao Don elementos da cultura negra. Isso é ofensivo. A própria família do Don Shirley veio a público para perguntar de onde tiraram isso, porque ele era extremamente antenado. Só olhando o histórico e sua posição dele na cultura da época fica óbvio que era um cara que ninguém ia precisar apresentar a música de Little Richard. Já é significativo que o protagonista seja o motorista branco e o filme tenta fazer esse equilíbrio, enquanto Don o ensina a deixar de ser racista, em compensação o racista ensina ele a ser negro. Olha que coisa absurda! Não existe avanço, é um filme conservador, mas que consegue agradar o progressista, que é o perfil da academia. O Spike Lee perdeu em 1989 com o “Faça a coisa certa”, ganhou “Conduzindo Miss Daisy” e, agora, perdeu para “Conduzindo Miss Daisy 2”.

Pela quinta vez, o prêmio de melhor direção foi destinado a diretores mexicanos. Qual peso dessa premiação no momento atual dos EUA?
Não acho que isso tenha sido um fator determinante para vitória de nenhum deles. Mas, obviamente, tem um peso político em um momento de xenofobia e de nacionalismo exacerbado. Na era Trump, mexicanos dominaram a premiação, mas se fosse realmente um recado de peso, Roma teria vencido. É o caso de um recado acidental.

Rami Malek destacou sua origem e o fato de interpretar nas telas Freddy Mercury, ambos imigrantes. Esse prêmio também pode ser considerado um progresso?
Se o filho de imigrantes e gay fosse uma preocupação do filme, eles não teriam neutralizado tanto a homossexualidade ou a bissexualidade do Freddy Mercury. Eles mostram o necessário para dizer “mostramos”, mas evitam ao máximo. O próprio filme demonstra um preconceito considerável com o Freddy. É um filme conservador, a melhor palavra seria um filme covarde, além de ser péssimo. O prêmio ao Malek não considero avanço. Não foi dado com a intenção de uma mensagem política. É bom lembrar que o Oscar é uma eleição, então, tem campanha e o Malek fez uma pesadíssima. Para um filme ser indicado ao Oscar tem que gastar, no mínimo, mais de US$ 1 milhão e o Bohemian Rhapsody investiu pesado. Espalharam outdoors por Los Angeles inteira, fizeram festas e exibições comentadas. Tanto que teve uma matéria do The Hollywood Reporter que um votante disse que conviveu mais com o Malek do que com seu cachorro. O prêmio rendeu mais críticas que aplausos, porque é uma atuação ridícula.

Ano passado, no ápice do movimento #MeToo, o Oscar foi criticado por premiar poucas mulheres. Quais as diferenças de 2019 para 2018?
A diferença é que o tempo está passando e as portas vão se abrindo mesmo que na base da porrada. Quanto mais mulheres, negros e gays têm feito filmes, maiores são as chances de serem indicados. É o discurso raso do preconceituoso de que “não tem que premiar por cota e sim por mérito”. Ok. Só que você tem 200 filmes feitos por homens brancos, heterossexuais e cis e três feitos por minorias. Não é uma competição de igual para igual.

“Não acredito que um filme sobre menstruação ganhou o Oscar”, foi assim que a diretora de Period. End of Sentence. comemorou. Pode ser considerado uma revolução diante de tantos tabus da realidade feminina?
Adorei essa premiação. Não só era um documentário sobre menstruação, mas a equipe inteira era formada por mulheres, o que lotou o palco de profissionais femininas. Elas ainda agradeceram uma organização feminista. Até brinquei que devia ter um monte de ‘incell’ (homens que não conseguem ter relações sexuais e amorosas e culpam as mulheres e os homens sexualmente ativos por isso) tendo um derrame. Sem dúvida, é um sinal dos novos tempos. Foi uma das vitórias mais significativas da noite.