Neste mês, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 29 anos. Mesmo após todo esse período, o Estado brasileiro ainda não conseguiu garantir para essa parcela da população todos os direitos descritos nesta parte da Constituição Federal. Para comentar mais sobre esse assunto, o Edição do Brasil conversou com Raphael Maia, professor de direito constitucional, administrativo e direitos humanos.
O que é o ECA?
ECA é o conjunto de normas do ordenamento jurídico brasileiro que tem como objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, aplicando medidas e expedindo encaminhamentos para o juiz. É o marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Desde 1990, as crianças e os adolescentes são reconhecidos como sujeitos de direitos e o estatuto estabelece que a família, o Estado e a sociedade são responsáveis pela sua proteção, já que são pessoas que estão vivendo um período de intenso desenvolvimento físico, psicológico, moral e social.
Como é a aplicação dessas leis?
Esse é um grande desafio, porque não se cumpre ou se respeita aquilo que não se conhece. A ausência de conhecimento em relação ao ECA é uma lacuna bastante significativa. A sociedade brasileira não é a mesma dos anos 90, mas o ECA continua sendo uma lei exemplar muito avançada, sendo assim, a lacuna está na sua aplicação.
Quais são as futuras consequências da violação desses direitos?
A violação desses direitos acarretarão em riscos inerentes aos problemas relacionados ao alcoolismo e conflitos entre casais, que tornam crianças testemunhas de agressões e de toda forma de violência. Temos ainda os perigos relacionados ao lugar de moradia que incluem a precariedade da oferta de instituições e serviços públicos, a falta de disponibilidade dos espaços destinados ao lazer, as relações de vizinhança e a proximidade da localização dos pontos de venda controlados pelo tráfico de drogas, contribuindo para o agravamento desse cenário na vida adulta. Entre eles, vale destacar os riscos do trabalho infantil e o da exploração da prostituição de crianças, envolvimento com drogas, gravidez precoce e prática do roubo. Além de obter uma vulnerabilidade psicofisiológica.
Recentemente, o presidente Bolsonaro (PSL) deu uma declaração na qual apoia o trabalho infantil. Como a Constituição se posiciona sobre a questão?
Combater o trabalho infantil é meta prioritária do Estado brasileiro, compromisso assumido não apenas perante o conjunto de seus cidadãos, mas também perante a comunidade internacional. Esse compromisso se estabeleceu desde 1988, com a Constituição Federal, que proibiu o trabalho de crianças e adolescentes e garantiu a eles proteção integral, absoluta e prioritária (artigos 7º, XXXIII e 227 do Texto Constitucional). No mesmo sentido, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ainda no plano internacional e no âmbito laboral, surgem as Convenções 138 e 182 da OIT, que proíbem o trabalho infantil e alertam para seus diversos malefícios, tendo sido tais instrumentos ratificados pelo Brasil, compondo, assim, seu ordenamento jurídico interno.
Como o ECA visa recuperar os direitos perdidos?
De fato, em tempos atuais, não há outro caminho senão por meio de diálogo e criação de novas políticas públicas, econômicas, sociais e culturais voltadas às famílias das crianças e dos adolescentes vitimizados, favorecendo uma formação integral, ou seja, priorizando a questão social e profissional dos que estão acolhidos para que possam vislumbrar perspectivas de vida digna na persecução da cidadania plena, que emerge como um sonho a ser perseguido do aqui e agora das instituições de acolhimento.
O que tem sido feito para mudar essa realidade?
Existem hoje no Congresso Nacional vários projetos de leis para alterar o texto atual do ECA, trazendo mudanças pontuais no seu texto com o fito de tentar acompanhar a evolução da sociedade, principalmente no que diz respeito à proteção nas redes sociais.