No começo deste mês, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou um decreto que facilita o porte de armas para categorias como advogados, agentes de trânsito, conselheiros tutelares, caminhoneiros, políticos eleitos e até jornalistas. O ato contraria o Estatuto do Desarmamento, regulamentado e aprovado por meio de um plebiscito em 2003, no qual afirma que ter uma arma é preciso que o indivíduo comprove a real necessidade. Após isso, há uma série de requisitos a serem avaliados, como idade mínima de 25 anos, capacidade técnica e psicológica, não ter antecedentes criminais, entre outros.
Para falar sobre esse assunto, o Edição do Brasil conversou com Raphael Maia. Ele é professor de direito constitucional, administrativo e direitos humanos.
Considerando o Estatuto do Desarmamento, o presidente pode decretar mudanças no uso de armas?
O presidente da República tem competência para editar decretos e regulamentar leis. A ideia é garantir uma fiel execução da norma. O decreto, porém, não pode exceder ao que dispõe a lei e deve se ater aos limites estabelecidos, não podendo inovar no ordenamento jurídico. Ou seja, essa medida pode ser considerada inconstitucional.
É possível que o decreto seja revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STF)?
O STF já foi provocado quanto às possíveis ilegalidades presentes no decreto. Caso o tribunal entenda que há ilegalidades, pode revogar total ou parcialmente o texto.
A Câmara do Deputados e o Senado também podem contestar?
O Congresso Nacional tem competência para sustar os atos do presidente da República que extrapolam o poder regulamentar. Ou seja, se o Congresso entender que o decreto extrapola os limites da lei, pode suspendê-lo. Tal fato já aconteceu esse ano, quando a Casa suspendeu um decreto que regulamentava a Lei de Acesso à Informação.
Desde de janeiro, o presidente está deixando menos burocrática a posse e porte de armas. O que podemos esperar para o futuro?
Isso já era uma promessa e bandeira de campanha. Ocorre que boa parte do processo de desburocratização depende de autorização do Congresso Nacional, por meio de lei. O presidente não vem fazendo boas articulações com a Casa, razão pela qual não devemos esperar grandes mudanças nesse sentido. Algumas bancadas já se manifestaram contra uma liberação maior da posse e porte de armas.
A ampliação do porte para profissionais, como jornalistas e políticos, possui algum argumento legal?
Não. O Estatuto do Desarmamento é muito claro no sentido de estabelecer uma análise individualizada dos pedidos para porte de arma. A lei exige que o requerente comprove a efetiva necessidade do porte. Não é possível que o presidente abra mão desse requisito e autorize o porte indiscriminadamente às categorias citadas.
Na sua avaliação, o Brasil está preparado para a ampliação do porte de armas?
Penso que não. Temos problemas sérios de educação. Ainda não evoluímos no convívio harmônico em sociedade. Continuam frequentes brigas no trânsito e em estádios de futebol, por exemplo. Ampliar o número de pessoas que podem portar armas livremente, potencializa as chances de tragédias.