Invisível ao navegador comum, irrastreável pelas autoridades e basicamente, uma navegação online fora do mapa. Essas características soam como música para criminosos que transformaram um modo de navegação na internet, que preserva a privacidade, numa rede a serviço do crime organizado. O Edição do Brasil conversou com Rosilene Maia Souza, advogada e professora de Crimes Cibernéticos no curso de pós-graduação em Direito e Tecnologia da Faculdade Arnaldo, sobre a deep web, o lado da internet com fama de obscuro.
O que é a deep web?
A deep web é uma parte da internet que não é popularmente conhecida. Existe muita lenda a respeito dela, mas basicamente, trata-se de sites invisíveis e de difícil rastreamento, um lado da internet que não pode ser mapeado, por isso, muitas pessoas tendem a dizer que a deep web é o lado obscuro da internet.
Qual é o seu tamanho?
Qualquer dado que te passe agora vai estar desatualizado. Qualquer número já vai ter aumentado no final dessa conversa. Em proporção, se em uma plataforma comum, como o Google, existem milhões de sites catalogados, isso não chega a 1% da deep web. Ela é infinitamente maior do que o visível aos olhos do navegador comum. Provavelmente até menos que 1%.
No que esse espaço se diferencia da internet que conhecemos?
A internet comum é aquela que todo mundo tem acesso, que você entra em um site de busca, como o Google, digita o nome daquilo que pretende achar e o navegador mostra milhões de páginas catalogadas sobre o assunto. Na deep web, esquece. É impossível para um navegador comum conseguir acessá-la. Só vai ser possível que ele consiga acesso a deep web se já tiver o link do site em mãos. Esse link não é o endereço comum como estamos acostumados, como www.algumassunto.com.br. Estamos falando de criptografia, isso significa muitos números e letras. Uma outra opção de acesso é quando o próprio dono do site permite que ele seja encontrado. Então, tem que ser uma pessoa praticamente convidada a estar lá.
Como ela surgiu?
Ela foi criada nos primórdios da internet, basicamente, como uma forma de armazenar dados. E, muitas pessoas e entidades usam a deep web com esse objetivo. Por exemplo, governos colocavam informações lá que não podem ser perdidas e nem acessadas. Todo o registro de um banco de dados de uma faculdade também ficava guardado lá, no que hoje chamamos de nuvem. A deep web não surgiu para ser o que é hoje, um mecanismo obscuro, inacessível e invisível a serviço do crime. Como se trata de uma parte altamente protegida e criptografada da internet, utilizou-se dessa característica para criar muitos sites obscuros e, agora é, com certeza, uma plataforma gigante para o mundo do crime virtual.
Que tipos de crimes acontecem na deep web?
De todas as formas. Tudo que é rechaçado por uma sociedade moderna existe por lá. Por exemplo, há apologia ao racismo, crimes virtuais, pedofilia, estupro, furtos de valores monetários, invasão de sites governamentais e também dos crimes mais minimalistas. É possível encontrar as mais variadas formas e apologias.
Mas nem todos que estão lá podem ser considerados criminosos?
De forma alguma. Até porque existem pessoas que estão em sites igualmente de difícil acesso, invisíveis e que também só podem ser acessados se o dono permitir ou autorizar alguém que, de alguma forma quebrou a criptografia e conseguiu um link pronto para passar. Porém, não significa que o que vai estar lá seja ilegal. É errado afirmar que tudo que acontece na deep web é criminoso.
Você conhece exemplos de boas iniciativas que ocorrem nesse espaço?
Existe uma parte que é sobre estudos e pesquisas, que não são proibidos, mas que são de difícil acesso e que por alguma razão estão invisíveis na internet comum.
Como funciona a navegação na deep web?
Primeiro, nenhum navegador comum consegue abrir uma página na internet, digitar “deep web” e acessá-la. É preciso ter um conhecimento em informática muito acima do nível mediano, porque é necessário quebrar algumas criptografias que são codificadas com os mais elevados graus que se possa imaginar. Então, quando se consegue entrar na deep web sem dificuldade? De regra, nunca. Mas existe a possibilidade de alguma facilidade ser colocada? Sim. Caso te convidem ou autorizem. Mas não aconselho que um usuário comum da internet, que não tem conhecimento profundo de T.I. ou de proteção na web, tente acessá-la.
Por que o internauta comum deve evitar entrar nessa rede?
É muito simples. Da mesma forma que a deep web tem o escopo de ser secreta, de armazenar muitas criptografias justamente como forma de proteger o usuário pelas mais variadas razões e motivos, ele, nesse espaço, não tem qualquer proteção. Então, por exemplo, todas as formas de vírus possíveis e imagináveis podem te atacar no momento em que você acessa ou tenta acessar. É bom lembrar que todos os tipos de hackers, crackers ou qualquer outro tipo de criminoso está lá e pode te atacar nesse momento. É uma porta que você abre para invasão sem saber quem está do lado de lá. Quem entra está à procura de algo específico que não encontra na web comum, porém, lá existem vários experts maliciosos de olho em presas fáceis. Se você não tem conhecimento e nem equipamento de segurança para navegar nessa internet, não aconselho que entre. É proibido entrar? Não. O problema é que você pode se colocar numa situação altamente vulnerável.
Por que esse acesso é invisível?
Porque não se grava o registro de navegação e isso dificulta muito uma perseguição, não policial, mas de localização. De quem está acessando, de onde está sendo acessado e quais informações são trocadas. É, de uma forma simplificada, como se fosse necessário uma chave de conexão. Eu sou uma navegadora e você é a dona de um site. Nós duas temos a chave para nos conectarmos. Uma terceira pessoa que quiser fazer parte dessa situação não vai conseguir se eu ou você não liberarmos essa chave.
Existem muitos fóruns por lá. Por quê?
Existem vários, porque a intenção é a interação. Cada pessoa está disposta a interagir a respeito de algum assunto. Há grupos para falar de pedofilia, discriminação, racismo e ódios das mais variadas formas.
Esse fóruns são fiscalizados por algum órgão?
De regra, nada na deep web é fiscalizado por causa da dificuldade de acesso e rastreamento. Porém, sempre existem caminhos descobertos pela polícia que, de um modo geral, é bastante preparada. Não estou falando apenas de polícia civil ou militar, falo de Interpol, FBI e Polícia Federal, estou falando de todo um organismo de investigação da mais alta estirpe e preparo para conduzir essas investigações. Ocorre que o criminoso virtual tem um perfil muito diferenciado e extremamente inteligente. Portanto, quando a investigação começa a seguir um rastro, ele inicia uma nova estratégia e a investigação precisa começar do zero. Até porque para começar certas averiguações é necessário seguir certos protocolos, que não podem ser quebrados nem mesmo em nome do combate ao crime. Claro que existem verificações dentro da deep web e muitas delas são eficientes. Porém, quando se consegue um avanço não é na medida suficiente de resposta ao que existe.
Mas essas pessoas podem ser punidas pela Justiça?
Depende. A legislação brasileira fala que quem comete um crime, responde a ele na medida da sua culpabilidade. Portanto, se o crime for o simples ato de navegar e servir como um canal para que criminosos consigam atingir o seu objetivo, esse usuário pode responder pelo crime. O navegador está consciente que pode ser usado como um instrumento para que o crime ocorra, ainda que não tenha uma intenção inicial de fazê-lo ou que não tenha mecanismo para praticá-lo sozinho.