“Não vai ser a primeira vez que vou ter um parto na cadeia. Na minha primeira prisão eu tinha 18 anos e estava grávida do terceiro filho. Fui parar na Piep (Penitenciária Feminina Estevão Pinto). Não era tão ruim. Chamavam lá de ‘cadeia da Barbie’. Tinha atendimento médico, tinha tudo. O parto foi como os outros dois. Só que diferente. Tinha vários policiais ao redor. Eu estava com as mãos e os pés algemados. Denunciar? Eu não, melhor não mexer com polícia”.
Esse é o relato de Rúbia, 30 anos, uma das detentas do Centro de Referência às Gestantes Privadas de Liberdade, em Vespasiano, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Assim como ela, o Brasil possui, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do mês de maio deste ano, 264 gestantes e 191 lactantes (total de 455 mulheres) presas. Já em Minas Gerais, há 12 e 29 (total de 41), respectivamente.
As mulheres com privação de liberdade são marcadas por condenações por crimes de drogas (64%). Além disso, um terço possui de 18 a 24 anos, embora apenas 11,16% dos brasileiros tenham essa faixa etária. Sobre a cor da pele, 31% se identificam como brancas e mais de 40% são negras e pardas. Quanto à escolaridade, 44% não concluíram o ensino fundamental e, dessas, 15% não tiveram acesso a nenhuma educação formal. Esses dados são, relativo ao ano de 2014, do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça.
Se o dia a dia de uma mulher em uma penitenciária não é fácil, imagine como é a rotina daquelas que estão grávidas. Natália Martino, jornalista e coautora do livro Mães do Cárcere, conviveu com as mães no Referência às Gestantes Privadas de Liberdade durante um ano. Ela conta que as dificuldades dessas pessoas iam além da insegurança de se ter um filho presas. “Essa é a única unidade prisional do estado. Isso significa que se a mulher for acusada ou condenada de um crime em Minas Gerais, ela vai ser enviada para essa unidade. O estado é grande e, por isso, algumas estavam cumprindo penas a 500 km da casa. Como elas são de famílias com condições financeiras muito debilitadas, impede completamente qualquer tipo de visitação e assistência que os parentes podem dar”.
Outra questão levantada por Natália é sobre o motivo daquelas mulheres estarem presas. Segundo ela, metade eram provisórias, ou seja, elas ainda não haviam sido julgadas pela Justiça. “Quando frequentei a unidade, tinha uma menina de 18 anos, do Norte de Minas, que era presa provisória, porque foi pega em flagrante roubando um shampoo. Acho que a Justiça precisa ser mais razoável ao invés de manter uma pessoa presa por um crime que ainda não foi condenada. E caso seja, a pena poderia ser menor do que a prisão, afinal a detenção é a penalidade. Mas, acima de tudo, temos que pensar no motivo que levou essa menina a fazer isso”.
A jornalista conta que algumas das mulheres presas preocupavam-se não apenas com aquele filho que estava na barriga e que, após um ano do seu nascimento, seria entregue para um familiar ou adoção; mas também com aqueles que ficavam do lado de fora. “Muitas vezes eles estavam em cuidados precários com alguns familiares próximos, vizinhos ou até mesmo na rua. Às vezes, elas recebiam a notícia de que os filhos, com 8 ou 9 anos, estavam cheirando tíner ou morando na rua e elas não tinham o que fazer”.
[box title=”Cárcere solitário” bg_color=”#729bbf” align=”center”]Diferentemente do que acontece nas cadeias masculinas, onde há filas que viram o quarteirão para as visitações, a prisão feminina é solitária. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 47% das mulheres presas não recebiam visita ou recebiam com uma periodicidade menor do que uma vez por mês. [/box]
Habeas corpus coletivo
Em fevereiro deste ano, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus coletivo a todas as mulheres grávidas, mães de crianças de até 12 anos e de filhos com deficiência, que se encontravam presas e sem condenação. A decisão determina que elas aguardem julgamento em regime domiciliar e mandou, aproximadamente, 4.500 detentas (10% do total) para casa.
Nana Oliveira, advogada criminalista da Assessoria Popular Maria Felipa e assessora jurídica do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, explica que, efetivamente, há pouca mudança. “Me incomoda o argumento centrado nas precárias condições do sistema prisional. Independente disso, as mulheres podem e devem ter a substituição da prisão preventiva por domiciliar. Lembrando que essa decisão trata-se somente das prisões preventivas, pois o ministro, no momento final do voto, inseriu a possibilidade de se manter a prisão em situações excepcionalíssimas e que deverão ser fundamentadas. Isso mostra o profundo desconhecimento da realidade das decisões e pareceres do Judiciário e Ministério Público Estadual, onde absolutamente tudo é excepcional e qualquer argumento é fundamentação suficiente”.