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Segurança em carros de aplicativo é posta em xeque

Os aplicativos de motorista particular mudaram os hábitos de locomoção de muitas pessoas. O serviço traz diversos benefícios, como a acessibilidade no preço e facilidade em encontrar um carro disponível. Porém, inúmeros registros de clientes que sofreram assédio durante a viagem, colocaram à prova a segurança desse tipo de atividade.

Um dos casos mais repercutidos é o da escritora Clara Averbuck. Ela publicou em seu Facebook que foi estuprada por um motorista do aplicativo Uber em São Paulo, quando estava voltando para casa. “O nojento aproveitou do meu estado, minha saia, minha calcinha pequena e enfiou um dedo imundo em mim, ainda pagando de que estava ajudando ‘a bêbada’. Estou machucada, mas em casa e medicada pra me acalmar”, escreveu. O caso percorreu a internet e o resultado foi a criação da hashtag #MeuMotoristaAbusador, que reuniu diversos depoimentos do tipo nas redes sociais.

A operadora de caixa Daiana Rodrigues, de Belo Horizonte, se sentiu intimidada após usar o aplicativo. Ela recorda que motorista a deixou em seu serviço e no dia seguinte voltou ao local para oferecer uma carona. “Falei com ele que se quisesse teria acionado um carro no app. Depois fiz uma reclamação, porque ele sabia onde eu morava, trabalhava e tinha ido atrás de mim”.

A empresa afirmou que o motorista seria suspenso, mas não foi suficiente para convencer a usuária. “Me mandaram um e-mail falando que iria suspender ele. Só que cancelei o aplicativo, não uso mais Uber”, afirma.

D.S*, do Rio de Janeiro, conta que o motorista do aplicativo Uber a princípio foi simpático, mas que logo em seguida iniciou uma série de elogios. “Demonstrei que estava desconfortável e impaciente, mas ele insistiu em falar sobre mim e que morava perto da minha casa. Depois, descobriu meu número e ficou mandando mensagem. Reportei ao app e bloqueei ele. A empresa me pediu desculpas dizendo que o motorista seria notificado, penalizado e devolveram meu dinheiro. Mas perderam uma cliente”.

L.T*, que também mora no Rio, pagou R$ 80 em uma viagem. Porém, durante todo o trajeto, o motorista fez insinuações que a incomodaram. “Eu estava em uma festa alternativa, e quando eu entrei no carro, ele disse: ‘o público dessa festa é bem safado, né? Acabei de levar uma menina que ficou se jogando em cima de mim’.

Depois ele ficou insinuando que eu faria o mesmo, perguntando se meus pais sabiam que eu estava lá. Ele ficou falando com quantas mulheres tinha transado desde que se tornou motorista do aplicativo. Perguntou se tinha alguém me esperando em casa. Achou que eu estava bêbada e quando ele percebeu que não, mudou o tom e falou que eu não era como as outras”.

Ela reportou o ocorrido a Uber, que pediu desculpas e deu a ela um voucher de R$ 5. “Fiquei decepcionada com a atitude da empresa e nunca mais usei o aplicativo”
O advogado Arthur Luís Mendonça Rolo declara que a vítima pode entrar com uma ação judicial contra a empresa em casos como esses. “O grande problema é provar que aconteceu. Porém, no artigo 6° do Código de Defesa do Consumidor, existe um instituto chamado Intervenção do Ônus da Prova, ou seja, não é o consumidor que tem que provar o assédio, mas o motorista de que não o cometeu. O delicado é que fica palavra contra palavra. Uma dica que eu dou é que a pessoa entre gravando toda a corrida com o celular”.

A gravação se torna uma evidência lícita. “Não tem como gerar uma prova após o ocorrido. O que se pode criar são mecanismos de defesa, especialmente para as mulheres, que são as principais vítimas desse tipo de crime”.
Rolo elucida que não tem como o cliente ser resguardado de que o crime ocorrerá. “Assim como não tem como prever o ato no transporte público ou em táxi. Mas há um controle maior acerca desses serviços. No caso desses aplicativos, existe uma política de responsabilidade que deveria ser chamada de irresponsabilidade. Eles dizem basicamente que fazem uma ponte entre motorista e cliente, entretanto, é preciso ter um controle que não existe”.

Casos subnotificados
Segundo a delegada titular da Delegacia Especializada de Combate à Violência Sexual de Belo HorizonteLarissa Mascotte, não existem dados que comprovem que o número desse tipo de crime aumentou ou diminuiu desde a chegada dos aplicativos de transporte.

O enquadramento criminal pode variar. “Temos que analisar as circunstâncias de um caso concreto para avaliar qual o tipo de crime. Pode configurar estupro, tentativa de estupro, contravenção penal de perturbação do sossego, importunação ofensiva ao pudor ou até mesmo crime de ato obsceno. Geralmente, é uma contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor”, afirma.

A delegada reforça as medidas que devem ser tomadas em casos como esses. “A pessoa pode acionar a Polícia Militar para dar o flagrante desse motorista no 190. Posteriormente, ela pode fazer um boletim de ocorrência em qualquer posto policial ou na Delegacia Especializada no Combate à Violência Sexual, para apurarmos o caso. Se a pessoa preferir não se identificar, deve ligar no Disque Denúncia 181, a ligação será mantida em sigilo absoluto.Com relação às provas, pedimos que tirem print da placa do veículo e do nome do motorista”, completa.

O que dizem as empresas
Questionadas sobre ações para conscientizar os motoristas e medidas tomadas a fim de assegurar o passageiro acerca da integridade do motorista, a Uber informou que os motoristas cadastrados passam por uma checagem de antecedentes criminais, realizada por empresa especializada, que consulta informações de diversos bancos de dados oficiais e públicos do país, em busca de registros de crimes ou infrações que possam ter sido cometidas antes.

Segundo a empresa, motoristas que comprovadamente tiveram esse tipo de conduta são banidos. De novidade, o usuário pode criar um Perfil Familiar, no qual as pessoas cadastradas podem acompanhar o percurso de um familiar automaticamente.

A 99 Pop nos enviou uma nota: “Em julho de 2017, após a expansão da operação da 99 com a modalidade Pop (carro particular) chegando a diversas cidades do país, a empresa desenvolveu processos para aumentar a segurança do motorista e do passageiro. Para isso, buscou uma abordagem que reunisse tecnologia e gestão, com a prevenção como foco. Na parte de tecnologia, a 99 possui a inteligência artificial que monitora o perfil dos passageiros e de todas as corridas em tempo real.

O algoritmo funciona por “machine learning” e verifica padrões de incidentes de segurança, bloqueando chamadas perigosas antes que elas aconteçam ou solicitando validações adicionais de identidade, caso necessário. Ou seja, o sistema identifica táticas de pessoas mal intencionadas e bloqueia seu acesso à plataforma, prevendo incidentes”.

A Cabify declarou que o processo de cadastro exige uma exigência de uma série de documentos, inclusive exames toxicológicos e atestados de antecedentes criminais. Em caso de conduta criminosa, a empresa disse ouvir todas as partes, podendo até realizar a suspensão preventiva do usuário/motorista parceiro até a conclusão das investigações.

*As vítimas pediram para não serem identificadas