A.L.P*, 21, tem um filho de 1 ano. Sua gravidez foi tranquila e o parto normal. No dia seguinte, quando ela e o bebê receberam alta, parecia tudo bem. Porém, algumas horas depois a criança teve duas crises de convulsão. A.L.P* voltou para o hospital e os médicos não sabiam o que poderia ser. Então, o pediatra perguntou se ela fazia uso de entorpecentes. A resposta positiva trouxe o diagnóstico: o bebê estava sofrendo de síndrome de abstinência neonatal.
É que, quando a mãe é usuária de drogas, há uma transferência de seu sangue para o da criança. “Durante a gravidez, o bebê usou drogas junto com a mãe”, explica o pediatra e neurologista infantil Clay Brites. “Quando ele nasce para subitamente de receber esses entorpecentes e aí começa a ter sintomas de abstinência”.
Brites lista os sinais apresentados pelo recém-nascido nos três primeiros dias de vida. “Crises consultivas, tremores, alterações no sensório, ou seja, a criança pode entrar em um estado de sonolência ou de hiperexcitação e vômito”.
Ele acrescenta que, se o médico toma conhecimento do uso de substâncias químicas da mãe antes do parto, tem como evitar a síndrome. “O especialista vai usar uma medicação na hora do parto e isso evita que o bebê tenha os sintomas. Ou então, quando ele começa a apresentar os sinais, administra a medicação em tempo hábil”.
Na teoria é fácil, porém, na prática, há dificuldade. “Na maioria das vezes, a mãe não fala. Ela esconde o vício para evitar constrangimentos à família ou até mesmo ao hospital. E isso pode pegar o pediatra de surpresa. Às vezes, o bebê tem os sintomas e o profissional não associa a uma abstinência, o que acaba contribuindo para que o número de casos seja subnotificado”. Tanto que em 2016, dado do último balanço, o Ministério da Saúde estima que houveram apenas 76 casos da doença.
O pediatra elucida que os sintomas podem deixar sequela. “A principal é o atraso no desenvolvimento psicomotor da criança. A própria droga pode deixar decorrências estruturais, de conexão neurológica. Isso pode atrapalhar o crescimento da criança. A abstinência pode até não ter acontecido, mas o cérebro do bebê ficou exposto a essa substância durante toda a gestação em uma fase decisiva de evolução”.
Ele acrescenta que isso pode trazer sintomas funcionais. “A criança pode ter autismo, hiperatividade, quadros epiléticos ao decorrer da vida e alguma deficiência intelectual. Além de transtornos de desenvolvimento gerado pela exposição crônica e prolongada das drogas que a mãe usou”.
Tratamento
De acordo com Brites, o tratamento tem como base o uso do medicamento. “Ele retira o recém-nascido desse estado. Posteriormente, é necessário o acompanhamento do desenvolvimento, a criança precisa estar sob observação constante do pediatra”.
Para ele, os hospitais estão cada vez mais preparados para casos da síndrome. “Há uma preocupação maior com esse processo, mas ainda não é um protocolo claro. De uns tempos pra cá, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) tem dado muita informação a esse tipo de ocorrência”.
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Dependência herdada
A exposição da droga e histórico familiar aumentam as chances da criança se tornar viciada ao decorrer da vida. O neurologista esclarece que existe uma predisposição ao vício. “É uma criança que vai precisar ficar em observação nos primeiros anos de vida e durante a adolescência também”.
O professor da pós-graduação em psiquiatria Lucas Fantini explica que a herdabilidade do vício não é só uma questão genética. “Dentro da psiquiatria, algumas doenças têm um componente genético maior. Mas isso não exclui questões sociais como a família, grupo de amigos e o significado de tudo isso para cada indivíduo”.
Então, a dependência pode ser herdada. “Há vícios que chamamos de comportamentais. Além da questão genética. O exemplo é de uma pessoa que vive em uma família ou em um grupo social em que todos são usuários de droga. Muito provavelmente ela pode desenvolver o vício ao longo da vida”.
*Utilizamos apenas as iniciais do nome da personagem para resguardá-la.