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11,6 milhões de brasileiros nem trabalham nem estudam

As crises econômicas e políticas, pelas quais o país passou, colocaram uma bomba-relógio nas mãos das futuras gerações. Isso porque a última Síntese dos Indicadores Sociais (SIS), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, trazia números alarmantes sobre os chamados “nem nem”: parte da população jovem que nem trabalha nem estuda. Em 2016, um quarto deles nem estudava nem estava ocupado. O percentual de jovens, de 16 a 29 anos, no Brasil aumentou de 22,7%, em 2014, para 25,8%, em 2016, o que totalizava 11,6 milhões de brasileiros nessa faixa etária.

Se a ponta do iceberg aparece no campo do trabalho afetando diretamente a economia, sua origem se dá no campo da educação e da desigualdade social. Ainda segundo os dados da SIS 2017, a maior incidência de “nem nem” se encontrava entre jovens com o fundamental incompleto ou equivalente (38,4%). Em 2016, eles também eram mais entre aqueles de cor ou raça preta ou parda (29,1%) do que entre os brancos (21,2%). As mulheres pretas ou pardas foram o grupo mais afetado pelo fenômeno (37,6%).

“Jovens da geração nem nem são, de modo geral, de baixa escolaridade. No caso das mulheres, há a questão de um percentual grande que tiveram uma gravidez precoce, antes de concluir ensino médio. E a inserção da mulher no mercado de trabalho se dá, fundamentalmente, por meio da escolaridade. Elas são contratadas devido a uma escolaridade mais alta, diferente dos homens que já começam a trabalhar mais cedo e se inserem através de vários mecanismos, apesar da escolaridade ajudar”, explica Jorge Alexandre Neves, PhD em sociologia pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA) e professor do departamento de sociologia da UFMG.

O professor destaca que no caso, principalmente, dos homens existe uma questão desalentadora. “Como o desemprego é alto entre esses jovens com baixa qualificação, eles procuram um emprego por um longo período, não conseguem e caem em desalento”.

“Para te falar a verdade, perspectiva nenhuma”, responde Darci Silva, pai de duas meninas, quando perguntado sobre sua expectativa em relação a um novo emprego. Ele está desempregado há um ano e um mês, mas começou a trabalhar ainda adolescente. “Estudei até a 5ª série e tive que parar para trabalhar. Aí desanimei, não quis mexer mais”, conta.

O mercado que, no passado, acolhia jovens sem qualificação para trabalhos manuais, atualmente, com a crise vigente no setor da construção civil, está estagnado. Enquanto a mão de obra qualificada continua em alta. A nova Lei da Migração que completa um ano de promulgação é um exemplo disso. O governo federal pretende atrair imigrantes estrangeiros com qualificação e facilitar as condições para que esses profissionais venham para o Brasil, diminuindo a burocracia. Esse projeto está sendo trabalhado pelo Ministério das Relações Exteriores e deve ser publicado no segundo semestre de 2018.

Pior para as mulheres
Um dos fatores também estudados para o aumento dos “nem nem” é a presença de aposentados e pensionistas no mesmo domicílio que esses jovens. Segundo o estudo “Geração nem nem e o efeito das aposentadorias e pensões”, disponível no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em domicílios com presença de pensionistas, observa-se um aumento na probabilidade do jovem se tornar um “nem nem”.

No geral, os resultados da pesquisa apontam que os que apresentam maiores chances de serem “nem nem” fazem parte de um grupo bastante específico: mulheres, residentes em áreas urbanas, com baixa escolaridade, residentes em domicílios com crianças de 0 a 5 anos, o que pode sinalizar que elas são mães e que vivem em domicílios de baixa renda.

“Elas normalmente não tem uma pessoa para dividir a responsabilidade dos cuidados com o filho e acabam compartilhando domicílios com outras famílias, seja a dos pais ou da mãe. E nesse caso, ficam sem trabalhar e estudar porque não tem creche no sistema público que dê conta de atender a essas necessidades. Existe uma carência na questão de cuidados na primeira infância”, esclarece a pesquisadora Ana Maria Hermeto, doutora em demografia e professora adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG.

Heloana Côrrea, desempregada há um ano, conhece bem a rotina de processos seletivos. “O mercado de trabalho está cada vez mais exigente. São muitas entrevistas, processos para vagas escassas, salários horríveis e poucos benefícios”, conta. Sobre os estudos, seus planos mudaram após a gravidez. “Hoje não penso em fazer faculdade, mas um curso profissionalizante de curto período. Minha rotina interfere muito por ser mãe e esposa”.

A longo prazo, jovens e nação perdem. “Quando fazemos estudos de jovens, dizemos que eles carregam essas cicatrizes para o resto da vida. Quando se entra no mercado de trabalho numa condição precária, é muito difícil reverter a situação ao longo do ciclo de vida. A desigualdade acaba levando, por si só, à uma economia mais fraca”, diz a Ana.

Neves ainda atenta para questão previdenciária. “Os efeitos de médio e longo prazo são terríveis. Por exemplo, o impacto na Previdência Social. São jovens que não vão contribuir. Nós temos o nosso Sistema Único de Assistência Social (Suas), tem o Benefício da Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), um benefício que atende idosos que não contribuíram, mas que estão abaixo de uma certa linha da pobreza. No futuro, daqui a 40 anos, teremos uma quantidade enorme de idosos que nunca colaboraram ou que não contribuíram tempo suficiente, recebendo um benefício previdenciário não contributivo. O impacto disso nas contas públicas a longo prazo pode ser enorme”, finaliza.