O acúmulo de más notícias nesses primeiros meses do ano e em dias mais recentes proporcionou a nós, brasileiros, uma sensação muito próxima daquela que têm sentido os venezuelanos: a crise causada pela greve dos caminhoneiros teve, pelo menos, o mérito de revelar o rumo errático de nosso país em praticamente tudo aquilo em que se mete. É natural que tenhamos saído dessa confusão com certo desânimo e desilusão em perceber nossa realidade.
Temos um Congresso onde a grande preocupação de praticamente todos os parlamentares é tentar manter distância do turbilhão da Lava-Jato, paralelamente aos esforços para se reelegerem nas próximas eleições. Temos um Executivo titubeante, que vem perdendo força, inclusive em sua própria base aliada que, percebendo a fragilidade do governo em seus esforços para aprovar reformas impopulares, o tem chantageado diariamente. Até o Judiciário, meio esquecido de sua tradição centenária, vem cada vez mais se afastando de sua função de guardião da Constituição e se metendo em política, algo que não lhe cabe.
O próprio Presidente da República, que atingiu níveis de de impopularidade inéditos está agora, depois de ter sobrevivido a duas denúncias por favor do Legislativo, às voltas com a possibilidade de ser indiciado pelo Ministério Público. Está jogando todas as suas fichas em uma tramitação muito lenta, tentando postergar seu eventual indiciamento para depois da conclusão do mandato. Mas, certamente, não consegue saber que alternativa é pior: se enfrentar a justiça ou conviver diariamente com o enorme e crescente desgaste político que decorre de tudo isto.
Entre a população e mesmo em parte não desprezível do empresariado, parece ter se instaurado um clima de “não adianta”, face à reversão das expectativas que, ao final do ano passado, pareciam sinalizar uma retomada da economia e das boas práticas políticas. Aconteceu o inverso, o desemprego interrompeu sua tendência descendente, os juros nos balcões dos bancos não caíram – e seus lucros aumentaram apesar da taxa referencial ter sido reduzida -, e a meta do déficit público desse ano só será cumprida por meio de cortes no já debilitado orçamento. O que leva ao discurso que volta e meia retorna, o aumento de impostos.
Quanto ao primeiro, que já vinha sendo insuficiente para cobrir os gastos públicos previstos, vem sofrendo contínuos contingenciamentos, que atingem principalmente a educação, saúde, defesa e os transportes. Entre os tantos números da economia só se salvam os índices de inflação, mais como efeito da recessão do que de política monetária, além do resultado do agronegócio. Foi esse que, até o ano passado, conseguiu segurar o balanço positivo da balança comercial.
Há, portanto, boas razões para tanta desesperança entre nós brasileiros: a condução errática da economia, a debilidade política de um governo agonizante, a perda do poder aquisitivo, o desemprego e, mais que tudo, a falta de perspectivas no horizonte. Ninguém está indo às ruas para protestar, seja por desânimo, ou por debilitante descrença. As poucas manifestações recentes estavam a quilômetros de distância daquelas multidões até pouco tempo habituais. No início da recente crise de abastecimento, optou-se por apoiar o #somostodoscaminhoneiros, sem que se percebesse bem do que se tratava. O apoio só foi retirado quando a população percebeu que pagaria a conta.
O pior de tudo é que está praticamente formado o ambiente propício para o surgimento dos oportunistas de sempre, que já começam a por as mangas de fora para se apresentarem, no momento devido, como salvadores da pátria. É nestas horas que precisamos tomar muito cuidado com as paixões súbitas. Como explicar o sentimento que guindou à Presidência da República uma presidente logo deposta? Ou, alguns anos antes, um presidente que, hoje, está na cadeia e mesmo assim ainda tem tantas intenções de voto? Como explicar que posições extremas como a do deputado Jair Bolsonaro (PSC), tenham receptividade?
2018 é um ano eleitoral. Isso pressupõe dispêndios significativos com as campanhas, em que pesem todas as restrições atuais, o que vai injetar na economia, grande volume de dinheiro sonante que, em boa parte, deverá convergir para o consumo ou para a poupança, um resguardo dos mais precavidos contratempos difíceis que, ao tudo indica, virão. Mas há, também um custo embutido e escondido que extrapola os gastos legais com campanha, provenientes de fontes partidárias ou privadas: o custo da previsível explosão de bondades governamentais, na forma de investimentos públicos que têm sido “economizados” pela administração federal e por alguns estados que, só agora, saem do limbo das promessas.
Quem for eleito, tanto para a Presidência da República quanto para os governos estaduais, estará recebendo como legado uma montanha de problemas que certamente desaguarão retrocessos nos avanços já alcançados, especialmente os sociais. E tudo isso – tem sido a praxe – debitado na conta de um tesouro combalido. Enfim, quem pretende se instalar no Planalto a partir de 1º de janeiro do ano que vem, pode começar desde já a esperar por tempos muito difíceis, um legado que será uma herança maldita.
Grande parte dos cidadãos que apoiaram o protesto dos caminhoneiros, temem agora perder conquistas alcançadas, por conta dos acertos realizados pelo governo. Mas, e o preço na bomba da gasolina e do etanol? E o gás? Quanto tempo vamos suportar esta situação?
Fica aqui o nosso aviso para os dias que virão: Apertem os cintos! Até porque o piloto está sumindo.