O medo se instalou no mundo quando Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, juntamente com seus aliados, decidiu fazer um ataque coordenado na Síria, em resposta a suposta ofensiva química no país. A expressão Terceira Guerra Mundial surgiu na cabeça e na timeline de muita gente na última semana, mas diante de tanta informação e fake news, conversamos com o professor de política internacional da PUC Minas, Ricardo Ghizi Corniglion, sobre o conflito que já vitimou mais de 500 mil pessoas.
Qual o motivo do conflito na Síria?
A Síria sempre foi um país estratégico por estar situado em uma região de passagem entre a Ásia e o Mediterrâneo e, além disso, está próxima de uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Algo importante de se falar é que a Síria é uma área de influência da Rússia – têm bases militares na região –, e Bashar al-Assad, presidente da Síria, é aliado da Rússia e do Irã.
Em linhas gerais, o que aconteceu foi uma tentativa de fazer com que a Primavera Árabe (onda de protestos e revoltas populares contra governos do mundo árabe que eclodiu em 2011) levasse a democracia para a Síria e derrubasse o ditador do poder, mas não deu certo. Isso porque, do ponto de vista político e militar, Bashar al-Assad tem muita força no país, principalmente em Damasco e no seu entorno geográfico. Além disso, ele recebeu apoio incondicional de Vladimir Putin, presidente da Rússia, por questões estratégicas.
Podemos dizer que os EUA e as potências europeias têm responsabilidade nessa guerra que se iniciou em 2011, pois ajudaram a armar a oposição que tentou derrubar o ditador sírio. E, agora, após tantos anos de conflito, Bashar al-Assad conseguiu retomar quase todo o território, com o apoio da Rússia, do Irã e do Hezbollah. No entanto, o Norte e Nordeste da Síria ainda estão sob domínio dos curdos. É um verdadeiro tabuleiro de xadrez.
Quem são os rebeldes que estão se opondo ao governo?
Os rebeldes são facções políticas sunitas (maior parte da população) que são contra o governo. Bashar al-Assad é xiita (xiitas são minoria), e acharam que neste contexto poderiam derrotá-lo com apoio das potências ocidentais. Cito também a Frente al-Nusra que é um braço da Al-Qaeda, o Estado Islâmico, os curdos (que não têm território) e, por trás dessas facções estão as grandes potências.
A tensão aumentou na última sexta-feira (13/04) quando Trump realizou um ataque coordenado com o Reino Unido e França. Quais são as consequências dessa ação?
Vale ressaltar que Estados Unidos, Rússia e Europa não irão entrar em guerra por isso, pois trata-se de uma guerra por procuração. Pode-se observar que com esse bombardeio não houve mortes, pois eles comunicaram com antecedência que iriam apenas destruir a capacidade de fazer armas químicas. Eles sabem fazer diplomacia há mais de 300 anos e na hora de se enfrentar pisam no freio, pois sabem que a destruição seria tão grande que não haveria vencedor nesse conflito. Tanto que os EUA e a Rússia têm uma linha militar de comunicação, para que se consultem previamente em relação a medidas mais graves, para evitar mortes de um lado e de outro. Durante a Guerra Fria eles conseguiram ficar mais de 40 anos sem entrar em conflito e não será agora que isso irá acontecer. Tudo aquilo que vemos no Conselho de Segurança é parte do teatro. Entretanto, o caso da Coreia do Norte é mais grave, pois as possibilidades de um enfrentamento é maior.
Já são anos de conflito, como os direitos fundamentais estabelecidos, por exemplo, pela ONU podem ser cumpridos em prol da população?
Quem mais sofre é a população civil, já morreram cerca de 500 mil pessoas. A ONU não tem soberania sobre essa questão. Infelizmente, em época de guerra, o que menos se respeita são os direitos humanos e fundamentais – têm tortura, estupro, morte etc – é muito complicado. Quando a Inglaterra, a França e os EUA resolveram bombardear os depósitos e laboratórios de armas químicas eles alegaram que isso foi uma questão humanitária, mas, há um detalhe quando se faz isso, eles estão enviando um recado para Síria e qualquer país: que o uso de armas químicas não será tolerado. Não use essas armas, pois iremos reagir.
Existe uma convenção internacional para a eliminação de armas químicas, todos exceto seis países assinaram, entre eles a Síria, pois ela tinha mais de mil toneladas de armas químicas antes de começar a guerra civil.
Quais os impactos desse conflito para o mundo?
Primeiro podemos falar da crise dos refugiados de guerra. Quem sofre mais com isso é a Europa e os países vizinhos. Em seguida, vem a destruição da infraestrutura, pois o país fica completamente destruído. Em terceiro lugar podemos apontar o trauma que gera nas pessoas, pois a vida fica totalmente desestruturada. E, por fim, podemos citar os problemas econômicos, por exemplo a Copa do Mundo gera muito dinheiro se um conflito político atrapalhar, o evento como um todo perde, considerando que chefes de Estado podem cancelar a sua participação.
Existe a possibilidade da Síria desaparecer, caso o conflito não seja resolvido?
Não. Essa guerra está quase acabando, a não ser que a oposição volte a se organizar. Bashar al-Assad estava satisfeito, pois conseguiu retomar grande parte do seu território, cerca de 80%. Acredito que essa guerra tende a caminhar para o fim. A incógnita está justamente no Norte da Síria que está totalmente ocupada pelos curdos. E acho que Bashar al-Assad não quer retomar esse espaço, pois o mais estratégico são os arredores de Damasco etc, embora existam reservas de petróleo por lá. Mas, nos resta saber se os curdos vão conseguir fundar o seu território com o apoio americano. Contudo, isso poderá gerar ainda um problema grave com a Turquia, porque ela abriga muitos curdos que almejam emancipar parte do país para fundar o Curdistão.
Quais países possuem um papel fundamental para ajudar a solucionar essa guerra?
As potências, que estão por trás deste conflito, são: Estados Unidos, Rússia, Inglaterra e França, além do Irã, Hezbollah do Líbano, Arábia Saudita (armou a oposição), Iraque (armou tropas para derrotar o Estado Islâmico), Turquia e os curdos (que não tem Estado, mas ajudaram a derrotar o Estado Islâmico).
Por fim, qual a sua análise sobre o regime imposto por Bashar al-Assad?
Assim como o pai dele, que também era um ditador, ele segue o mesmo viés. Não sou a favor da ditadura, mas também não sei se implantar democracia em um país árabe seria a melhor solução, pois eles não têm a tradição democrática que nós temos. Tentaram implantar a democracia no Iraque e o país se desintegrou.
Essa guerra civil não deveria ter acontecido, pois foi fomentada pelas potências, matou muita gente, destruiu o país, gerou milhões de refugiados e não resolveu nada, afinal ele continua no poder.