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Não queime o sofá, senador…

O século XXI trouxe uma grande revolução no mundo da propaganda. Os produtos derivados de tabaco acabavam de ser proibidos em revistas, jornais, outdoors, televisão e rádios. A partir do ano 2000, patrocinar eventos culturais e esportivos associando o fumo às praticas também não seria mais possível para os fabricantes de cigarros. Seria essa a solução para que todos os tabagistas cessassem esse mau hábito e os (ainda) não tabagistas nunca fumassem? As relações entre produto, propaganda e consumo são, essencialmente, subjetivas e individuais. Há pessoas que nunca beberam cerveja, mesmo que diariamente sejam bombardeadas por comerciais que, diga-se de passagem, em sua maioria são bastante atrativos, exibidos na TV e em tantos outros meios de comunicação. Cada cidadão escolhe se, quando, o que e quanto consome e, quem nunca se arrependeu de ter adquirido um produto que “atire” o primeiro argumento.

Na década de 1950, com o avanço da industrialização em todo o mundo, a competição entre as empresas e os produtos foi muito acirrada. A produção e consequente venda de produtos e serviços, mesmo que com qualidade, já não eram suficientes para alcançar os lucros pretendidos pelos fabricantes ou prestadores de serviços. O indivíduo, respaldado pelo seu poder de escolha, é o agente ativo nessa relação de mercado, podendo escolher, dentre as alternativas disponíveis, a que lhe proporcione a melhor relação custo/benefício. Se negar a escolher é também uma opção quando nenhuma das alternativas lhe atrai. Existem pessoas que já não fumavam, mesmo antes da proibição da propaganda de cigarros e outros derivados do tabaco. Há, também, aqueles que continuam fumando ou que se iniciaram neste vício após a restrição da propaganda. A isso se dá o nome de livre arbítrio.

Em recente e longa entrevista exclusiva ao jornalista Mário Sérgio Conti, em um prestigiado canal de TV a cabo, o excelentíssimo senador da República e professor Cristovam Buarque, atribuiu ao marketing político, ou mais especificamente ao marqueteiro, a responsabilidade sobre as mazelas políticas atuais (atuais, não recentes) amplamente divulgadas por todos os meios de comunicação, até com certo tom cinematográfico. Vender e eleger: em ambos os casos é compulsório reconhecer que a decisão final está sim nas mãos dos consumidores/eleitores. Assim, desenvolver técnicas de comunicação e elencar qualidades e benefícios dos produtos/candidatos não pode ser algo considerado errado, condenável, muito antes, pelo contrário. Atribuir essa responsabilidade à figura do marqueteiro, seria como aquele marido que, ao flagrar sua esposa em cena explícita de sexo no sofá da sala de sua casa, põe a culpa no sofá. O “senador da Educação”, como gosta de ostentar, pecou por uma análise inconveniente e superficial e, porque não dizer, completamente equivocada. Ao atribuir à nós, os marqueteiros, a responsabilidade pelos episódios que ocorrem no universo dos políticos, o senador opta pela superficialidade responsabilizando o sofá.

O voto é dever do cidadão brasileiro, ainda que mais divulgado como um direito, mas é sim um dever estabelecido constitucionalmente. Todos devemos ir às urnas neste outubro que se aproxima. Assistir à propaganda eleitoral obrigatória que será veiculada durante os 45 dias de campanha, já que a legislação eleitoral em vigor assim estabelece, pode ser um exercício aconselhável para todos os cidadãos que insistem em dizer que precisamos fazer desse país um lugar melhor. É o que todos queremos. Em tempos de descrença generalizada nos políticos, testar a fidelidade e qualidade dos argumentos apresentados pelos marqueteiros pode vir a ser uma estratégia recomendável para minimizar a chance de decepção, seja com o produto, com o político ou mesmo com uma ideia.

Diferentemente da relação de dependência estabelecida entre a propaganda e os tabagistas, o vínculo entre o candidato e o eleitor pode ser mais racional. E lançar mão da razão, nesse caso, pode ser pela simples decisão de “não culpar o sofá”.

 

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