Uma das questões sociais mais urgentes que há é a situação dos moradores de rua. Não é preciso uma pesquisa para comprovar que o número de pessoas que vivem nessa situação vem aumentado a cada dia, afinal basta apenas uma volta rápida pelo Centro de Belo Horizonte para constatar tal fato. E os dados disponibilizados pela prefeitura só corroboram com esse sentimento: em 1998, quando a administração municipal fez o primeiro censo, eram 1.120 moradores de rua e, em março de 2017, o número saltou para 4.553 – aumento de 306%.
Para se ter uma ideia mais exata do tamanho da população que vive nas ruas de BH, o estado de Minas Gerais possui 853 municípios e em 182 têm menos de 4,6 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[box title=”Perfil dos moradores de rua” bg_color=”#ddbd8d” align=”center”]Segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte, a maior parte das pessoas que vivem nas ruas é do sexo masculino (98%), alfabetizadas (95%), pardas (60,31%), com renda de até R$ 85 por pessoa (92%) e estão na rua há menos de 6 meses (31%). [/box]
Para a professora da pós-graduação de Ciências Sociais e antropóloga da PUC Minas Regina Medeiros, esse aumento dos moradores de rua é um fato estrutural que envolve questões políticas e econômicas. “As pessoas estão com dificuldade de conseguir emprego e, consequentemente, de pagar aluguel ou comprar uma casa. Por isso, elas acabam priorizando outras coisas mais importantes, como alimentação”.
Outro ponto levantado pela professora é que, nesse contexto, a questão da moradia custa, em média, 60% dos orçamentos familiares. “Nas minhas pesquisas, encontro pessoas que trabalham, têm filhos e moram na rua, não apenas pela questão da moradia, mas também pelo deslocamento. Algumas trabalham em Belo Horizonte, vem de cidades vizinhas ou bairros distantes onde a família reside e elas ficam morando no Centro para economizar”.
Em relação ao uso de drogas, Regina afirma que dificilmente alguém sai de casa exclusivamente por esse motivo. “É mais fácil começarem a usar na rua para se proteger, aquecer ou substituir a alimentação”.
Amenizando o sofrimento
Para tentar diminuir um pouco o sofrimento de quem mora nas ruas e levar amor e carinho, existem diversos projetos em Belo Horizonte como o “Aquecendo com amor”, criado em abril do ano passado. “Eu queria fazer alguma coisa para ajudar a população de rua. Conversei com meus pais e irmãos e eles me apoiaram. A primeira vez fizemos por conta própria e não tínhamos muito a ajuda de outros voluntários. Nós vimos que deu certo e resolvemos divulgar por meio do Facebook, WhatsApp e Instagram. A partir disso, várias pessoas começaram a nos ajudar da forma como podiam, seja com doações ou doando seu tempo”, explica a manicure Karine Rodrigues, responsável pela iniciativa.
Ela diz que o forte do projeto são as refeições. “O básico que a gente faz é um arroz temperado que é uma comida mais completa. Mas o cardápio é sempre variado de acordo com o recebimento de doações. Se ganhamos carne, macarrão e feijão, a gente incrementa. Mas além das refeições, também levamos, água, roupas sapatos e ração para cachorro, pois muitos possuem animais de estimação. Nesse tempo mais frio, temos pedido doações de agasalho e cobertor”.
Outra iniciativa é o “Ronda noturna”, criado há 8 anos pelo engenheiro Danilo Maia. Ele e um colega decidiram fazer algum projeto social voltado para a população de rua. A divulgação foi por meio do boca a boca entre os amigos e cada um ajudou da forma que podia. E assim foi feita a primeira edição do projeto em 2010. “Tentamos fazer com frequência quinzenal, dependendo da demanda de doações recebidas”.
O projeto é mantido com o auxílio de voluntários que ajudam na arrecadação e distribuição. “Qualquer tipo de doação é muito bem-vinda. Nós descobrimos que já existem muitos grupos que já contribuem com a parte de alimentação, pois a população de rua aumentou muito. Quando percebemos um grupo que já foi ajudado recentemente, procuramos fazer algo diferente. Compramos umas máquinas de cortar cabelo e levamos um banquinho para cortar, aparar e fazer a barba deles, já que a maioria são homens. É tentar dar um pouco de dignidade”, afirma Danilo.
Ele diz que nessa época de frio tem feito arrecadação de cobertores, agasalhos e meias. Além disso, um item que quase ninguém lembra são os materiais de higiene. “Pode parecer uma coisa boba, mas é muito importante. Montamos kits com sabonete, desodorante, escova e pasta de dente para entregar a eles”. Ao longo desses 8 anos de projeto cerca de 15 mil moradores de rua foram beneficiados.
Ações paliativas
Apesar de todos esses esforços da população para amenizar o desconforto de morar na rua, Regina acredita que são medidas paliativas. “Isso não muda o motivo de estarem lá. O governo faz algumas ações, como os bandejões, abrigos, locais que oferecem oficinas de artesanato e teatro, mas isso não resolve a vida deles. Além disso, os centros de acolhimento funcionam em horários comerciais, os albergues de 6h da noite a 6h da manhã e o restante não funciona aos feriados. Então, não se oferece de fato nenhuma alternativa eficaz para esta pessoa”.
A professora finaliza dizendo que a melhor alternativa para resolver essa situação é oferecer o trabalho de fato, onde elas consigam desempenhar funções para as quais estão habilitados. “O que a gente assiste é a intervenção da polícia ou a retirada em alguma festividade ou momento específico. Não há medidas eficientes, pois isso não interessa aos políticos”.
[box title=”Violação dos direitos humanos” bg_color=”#ddbd8d” align=”center”]Recentemente, um caso chamou a atenção no Brasil e provocou polêmica. No município de Mococa, interior de São Paulo, um mulher foi esterilizada coercitivamente por ordem judicial. A ação foi fortemente repudiada por integrantes de movimentos ligados aos direitos humanos. [/box]
*Feito com Loraynne Araujo