“O dia estava lindo – era um passeio em família – minha filha de 2 anos estava brincando no quintal com seu primo de 4 anos. Entrei para pegar água e, em menos de 1 minuto, ela havia desaparecido”. Esse é um caso fictício, mas é o enredo trágico da história de muitas famílias brasileiras que estão à procura de filhos e parentes que, simplesmente, desapareceram.
Segundo informações do Registro de Eventos da Defesa Social (REDS) e da Secretaria Estadual de Segurança Pública de Minas Gerais (Sesp), em 2016, 9.070 pessoas foram registradas como desaparecidas no Estado – cerca de 24 desaparecimentos por dia. Do total, crianças de 0 a 11 anos somaram 330, já na faixa etária de 12 a 17 anos foram 3.472; maiores de 18 anos contabilizam 5.268. O município com o maior número de desaparecidos é Belo Horizonte, com 1.230 de janeiro a novembro de 2016. Contudo, a Sesp informa que os números podem estar desatualizados, pois, em alguns casos, as pessoas retornam para casa e as autoridades não recebem a informação.
Descaso
No Brasil, o Cadastro Nacional de Desaparecidos está desatualizado, pois, segundo ONGs e o Ministério da Justiça, a cada 45 minutos 22 pessoas desaparecem, sendo 250 mil por ano. Desse total, cerca de 40 mil são menores.
A delegada Maria Alice Faria, da Divisão de Referência da Pessoa Desaparecida de BH, aponta que o índice de desaparecimento de bebês e crianças menores de 12 anos é baixo no Estado. “Quando acontece, já diagnosticamos como um ato criminoso de sequestro, podendo ser, inclusive, tráfico de pessoas. Trabalhamos em parceria com as outras delegacias e acionamos a Polícia Federal e Interpol. Não saímos do caso até termos a localização”, expõe.
A Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério da Justiça e Segurança Pública informa que o Brasil sancionou em 06 de outubro de 2016 a Lei nº 13.344 que dispõe sobre tráfico de pessoas cometido no território nacional contra vítima brasileira ou estrangeira, e no exterior contra vítima brasileira, harmonizando assim, sua legislação com o Protocolo de Palermo – que trata do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças.
48 horas, não!
O mito das 48 horas para informar um desaparecimento é recorrente e atrapalha as investigações. A delegada salienta que isso é uma informação falsa. “O familiar deve fazer a ocorrência imediatamente. Se perdeu o contato com a criança ou adolescente já é um alerta para que se notifique o caso”, afirma.
Investigação
Quando um caso de desaparecimento é notificado via ocorrência é iniciada a investigação que atua em várias vertentes. “Utilizamos recursos tecnológicos, equipe especializada, além do núcleo de assistência social. Absorvemos todas as informações sobre o desaparecido, por exemplo, se há conflito familiar ou se o adolescente/criança está sofrendo algum preconceito. Tudo é captado para que tenhamos uma linha de raciocínio na investigação”.
Ela diz que todos os casos são prioridade e não subestimam nenhuma notificação. “Fazemos a divulgação da imagem – pedimos uma fotografia recente e, com a autorização da família, a foto é divulgada no Alerta Minas, por meio de parceiros (jornais etc). Com isso, temos o trabalho de campo, no qual os agentes saem para verificar as informações recebidas”, explica.
Segundo a delegada, a taxa de localização em 2016 foi de 65%. De acordo com o estudo da Divisão, as principais motivações dos desaparecimentos de crianças até 12 anos, é a disputa irregular de guarda e o descuido em locais de aglomeração. Já os adolescentes, em sua maioria, são fugas (80%), provenientes de conflito familiar e a busca pela liberdade. Além disso, cerca de 30% dos casos são reincidentes. “Chamo muito a atenção dos familiares, pois hoje a rua é muito sedutora. É importante fortalecer os laços afetivos”, sugere.
Maria Alice destaca ainda que, após a localização, é feito um acolhimento e encaminhamento para um tratamento de acordo com cada situação. “Em caso de fuga diagnosticamos o motivo e, infelizmente, em sua maioria, é a falência da família. O nosso objetivo, com as campanhas, como a Semana da Esperança promovida em maio, é banir esses desaparecimentos”, reforça.
A delegada diz, que os casos só são encerrados quando a pessoa é encontrada. “Se a situação se agrava, seguimos com uma linha de investigação criminal e, infelizmente, o Instituto Médico Legal (IML) é nosso parceiro”, conclui.
Sequestros
Existe uma linha muito tênue entre os casos de desaparecimento e sequestros. O investigador da Polícia Civil do Departamento Estadual de Operações Especiais (Deoesp), Marco Matos, explica que, quando um caso de desaparecimento é, na verdade, um sequestro, eles seguem outra viés de investigação. “Identificamos rapidamente e, geralmente, dentro de 8 horas a família já está sabendo que se trata de um sequestro – seja por meio de uma ligação de resgate ou informação de testemunhas que presenciaram a ação”.
Ele ainda conta, que o crime, em sua maioria, é praticado para se obter lucro, ou seja, sequestro mediante extorsão, que são em média 3 por ano, e que os sem fins lucrativos são raros. Matos pontua que, em Minas, houve a redução do índice desse crime entre os anos 1990 e 2000, pois todas as quadrilhas foram presas ou mortas em confronto com a polícia. O sucesso na resolução dos casos é próximo de 95% – conseguem liberar o refém sem o cumprimento do resgate e com a prisão da quadrilha. Ele ressalta que, às vezes, as famílias não entram em contato com a polícia por medo das ameaças dos criminosos, mas orienta que quanto mais rápido o Deoesp entra em ação, maiores são as chances de sucesso.
Penalidade: No Código Penal, a pena para extorsão mediante sequestro, com resultado de morte da vítima é de 24 a 30 anos. Em outras modalidades a sentença pode variar.
Legislação
Segundo o advogado Wesley de Paula, o dispositivo legal que trata das questões de desaparecidos é o Código Civil. Ele explica que a morte presumida está descrita no Artigo 7 e pode ser aplicada quando existe a possibilidade da pessoa estar morta, nas seguintes situações: desaparece em campanha (ação militar), feito prisioneiro e não é encontrado após 2 anos (em caso de guerra), entre outros. Um exemplo, é o caso de Eliza Samúdio, no qual não houve localização do corpo e há indícios do óbito. Já o Artigo 22, tem a declaração de ausência – quando a pessoa desaparece do seu domicílio e não deixa um representante ou procurador para administrar os seus bens. “A lei não estipula um prazo específico para a aplicação, mas evidentemente, tenta-se esgotar todos os meios de busca e essa declaração tem um efeito provisório, pois as buscas continuam”, conclui.
Como notificar um desaparecimento
O registro pode ser feito em qualquer unidade da Polícia Civil, Militar ou pela delegacia virtual . Já para passar informações, ligue: 0800 2828 197