Home > Destaques > Compra ilegal de Ritalina segue irrestrita na internet

Compra ilegal de Ritalina segue irrestrita na internet

Uso indiscriminado do remédio pode trazer sérias consequências a saúde | Foto: Reprodução

A Ritalina é um estimulante que age no sistema nervoso central melhorando, segundo a bula do medicamento, os níveis de atenção e concentração, além de reduzir comportamentos impulsivos. Seu uso excessivo, no entanto, pode trazer sérias consequências à saúde humana e, por isso, é necessário que seu controle seja acompanhado por especialistas. Mas, dados da Secretaria Municipal de São Paulo (SMSP) levantam dúvidas sobre esse acompanhamento médico, segundo a pasta, o Brasil é o segundo maior consumidor da substância no mundo. Estima-se que de 2004 a 2014, o consumo da Ritalina tenha crescido 800% por aqui.

Mesmo sendo um remédio controlado, que deveria ser vendido apenas sob prescrição médica, não foi difícil para reportagem do Edição do Brasil conseguir acesso à medicação. Na internet, com a promessa de uma “entrega discreta e sem perigo”, é possível acessar sites e redes sociais que disponibilizam a venda da medicação. À reportagem, um destes vendedores ilegais prometeu a entrega no mesmo dia e sem nenhum tipo de receituário. “Não preciso da receita, vou te enviar minhas tabelas de preço. Estou com uma promoção, consigo te enviar ainda hoje se o pagamento for Pix”, respondeu.

Por meio de um conhecido, a estudante de veterinária B.L* também teve facilidade para encontrar o medicamento sem prescrição. Com o objetivo de potencializar o rendimento nos estudos, ela decidiu tomar a medicação por conta própria. “Acreditei ser uma coisa boa pra mim, haja visto que meu foco melhorou muito. A princípio a ideia era tomar só em época de prova, mas vi que estava me acostumando aos benefícios que ele trazia para a concentração, se é que podemos dizer que é algo bom”.

Com o tempo, porém, os efeitos do remédio em seu organismo mudaram. “Eu não conseguia dormir, perdi meu apetite e sentia uma dor de cabeça constante. Decidi consultar com um médico, pois percebi que não estava normal. Fui encaminhada para a psicoterapia e, atualmente, utilizo outras técnicas para conseguir focar nos estudos que não coloquem minha saúde em risco”.

Para o psiquiatra José Antonio Quinta existe uma grande promoção à Ritalina no Brasil. “Isso vem da indústria farmacêutica, que promove a droga, e os médicos que acabam acatando a ideia e a prescrevendo. O uso dessa substância no país é muito acima do que seria esperado, considerando que existe uma dificuldade em realizar um diagnóstico apurado sobre a sua real necessidade”.

A neurologista Rosaína Lima corrobora que o uso indiscriminado do estimulante para potencializar a performance no trabalho e no estudo é uma realidade. “Outro aspecto que preocupa são os diagnósticos descriteriosos de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e, consequentemente, prescrição inadequada do remédio. É certo que houve um aumento nos casos de TDAH nos últimos anos, o que não necessariamente reflete em um aumento na prevalência do transtorno mas, provavelmente, a uma maior consciência sobre esta condição clínica”.

Consequências

O psiquiatra Gustavo Amadera explica como o medicamento age no organismo. “Acredita-se que a Ritalina atue como um psicoestimulante, aumentando a produção e os níveis de dopamina e noradrenalina. O resultado é um estado de vigília elevado o que, por consequência fisiológica, beneficia a capacidade de concentração”.

A falta de cuidado na utilização do remédio pode gerar consequências sérias ao físico e psíquico humano. “O consumo indiscriminado pode acarretar em quadros de insônia, agitação, aumento da ansiedade, irritabilidade, instabilidade no humor, agressividade, diminuição do apetite, tremores, dor de cabeça, aumento dos batimentos cardíacos, pressão alta, boca seca, febre, tontura, vômitos, convulsões e perda da consciência. O uso continuado e abusivo da Ritalina pode levar o paciente a uma dependência química e ainda existe a possibilidade do desenvolvimento de transtornos que necessitarão de tratamento psiquiátrico”, conclui.

O que diz a Anvisa

Questionada sobre como é realizado o controle de substâncias cujo a compra só deve ser liberada mediante prescrição médica, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) explicou, por meio de nota, que existem três categorias em relação à aquisição de medicamentos: os que são isentos de receita; aqueles cujo venda é condicionada à apresentação de receita simples; e os de controle especial, listados e classificados pela Portaria 344, em acordo com suas especificidades farmacológicas.

“O Metilfenidato, princípio ativo da Ritalina, está classificado na Portaria 344 como substância psicotrópica, devendo ser prescrito no receituário do tipo A3 (prazo de validade de 30 dias). Por este tipo de receituário, no ato da dispensação, a farmácia deverá reter uma via e a transação deverá ser ainda registrada pelo estabelecimento junto à Anvisa, por meio do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC)”, diz a nota.

Sobre a facilidade de encontrar o remédio na internet, a Anvisa afirma que possui equipes que “varrem” a internet regularmente para averiguar desvios. “Quando são identificadas fraudes, a Polícia Federal é acionada, por se tratar de crime contra a Saúde Pública (considerado crime hediondo pela legislação brasileira). No caso da venda de medicamentos controlados listados na Portaria 344 o crime é de Tráfico. Equipes da Anvisa podem retirar do ar os sites irregulares hospedados em domínio nacional, o ponto “com” ponto “br”. Quando o site está hospedado em outros países essa providência é adotada pela Polícia”.

Por fim, o órgão ressaltou que “apenas podem ser vendidos pela internet os medicamentos isentos de prescrição médica (que podem ser vendido sem receita). As vendas são feitas por farmácias legalmente estabelecidas que criam domínios na internet para ampliar suas vendas. Fora desta condição, é venda ilegal”.

*A pedido da personagem, seu nome foi alterado