Home > Opinião > 15ª CineBH expõe poder da tecnologia como ferramenta de vigilância social

15ª CineBH expõe poder da tecnologia como ferramenta de vigilância social

O Edição do Brasil conversou com Marcelo Miranda (foto), jornalista, crítico de cinema e um dos curadores da mostra | Foto: Divulgação/CineBH

 

Marcelo Miranda | Foto: Netun Lima/Universo Produção

A Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte (CineBH) chega a 15ª edição com um tema que a sociedade ainda não tem total dimensão. Batizada de “Cinema e Vigilância”, o evento selecionou filmes que dialogam com nossa nova realidade: com o avanço da tecnologia, passamos a ser vigiados o tempo todo. Na rua, no trabalho, no lazer ou procrastinando no celular. Não importa, quase tudo pode ser rastreado atualmente. Sobre a exposição deste ano, o Edição do Brasil conversou com Marcelo Miranda, jornalista, crítico de cinema e um dos curadores da mostra.

Por que a escolha pelo tema “Cinema e Vigilância”?

É uma ideia que eu, Pedro Butcher e Francos Vogner vínhamos discutindo desde 2020, a partir da percepção de que a pandemia catalisou nossa dependência de dispositivos de relação eletrônica. A consequência disso é que nos tornamos ainda mais instrumentos de grandes empresas capitalistas, cuja maior moeda é a informação, para servir de monitoramento e estímulo ao consumo. E nos demos conta de que não é exatamente uma novidade pelo menos desde a invenção do cinema: a câmera, por registrar imagens, já é em si um aparato de “controle”, ao captar os movimentos e, posteriormente, os sons, para poder depois editá-los e exibi-los em outro contexto. Ou seja, existe uma intenção na captura de imagens.

Como isso se relaciona com nossa realidade?

Com a ascensão das grandes empresas de tecnologia e informação, como Facebook, Google, Amazon e Apple, por exemplo, isso se tornou tão corriqueiro que não pensamos a respeito. Porém, essas marcas mais nos controlam do que as controlamos, e o audiovisual tem refletido sobre isso de várias maneiras. Por exemplo, na estética, ao incorporar a visualidade dessas novas formas de imagem em câmeras de vigilância, registros de smartphones, telas de computador, etc. E, também, na temática, ao narrar situações de ficção e não-ficção em que esse “capitalismo da vigilância” está no centro. A CineBH vem com a proposta de discutir e aprofundar essas ideias nos filmes exibidos e nas mesas realizadas.

O que podemos esperar dos filmes mineiros selecionados?

A CineBH não tem exatamente um recorte regionalista, então eu não diria que há algo a se esperar de algum filme mineiro propriamente. A experiência proposta é mais orgânica e tentacular, com os vários “braços” da programação dialogando entre si de diversas formas. O mais próximo de um recorte mineiro seria a mostra ‘A Cidade em Movimento’, que tem curadoria da pesquisadora Paula Kimo e exibe produções de Belo Horizonte e região que conversam diretamente com a vivência na cidade ou em seus espaços.

Um dos destaques é o trabalho do coletivo Forensic Architecture. Quem são e o que você pode nos adiantar sobre o grupo?

Trata-se de um coletivo multiartístico fundado pelo arquiteto Eyal Weizman na universidade Goldsmiths, em Londres, e que conta com artistas visuais, cineastas e arquitetos em sua formação. Em muitos aspectos, o trabalho do Forensic captura os dispositivos da sociedade de vigilância e seus produtos para produzir evidências que vão denunciar crimes, formas de opressão e violência, o que se relaciona diretamente à temática adotada este ano na CineBH. Os trabalhos realizados pelo coletivo exigem longas investigações, ferramentas metodológicas e formas de visualização. São filmes curtos, de alta densidade, que apresentam um novo olhar sobre eventos que, muitas vezes, ocuparam os noticiários, mas permaneceram invisíveis em seus aspectos mais relevantes. O Forensic apresenta situações de abuso de direitos humanos ou ataques ao meio ambiente de um modo esteticamente arrojado, moderno e desafiador. Conhecer seus trabalhos é fundamental para nos ajudar a compreender o tamanho da encrenca que é estarmos sob o jugo de sistemas eletrônicos cujo objetivo, ao fim, é sempre prejudicar o indivíduo em prol de uma suposta e falsa proteção coletiva.