Considerado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) uma das 12 macrorregiões do estado, o Vale do Jequitinhonha possui um território que equivale a 14% das terras mineiras. Dos mais de 950 mil habitantes da região, dois terços vivem na zona rural, segundo dados da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Parte desse grupo convive com uma dura realidade: a escassez de água. É o caso da trabalhadora rural e artesã Leandra Alcântara, moradora do Assentamento Franco Duarte.
Ela conta que a água só chega por carros-pipa e nunca é o suficiente para o consumo básico. “Não existe uma agenda fixa e o município tem uma grande extensão territorial, o que dificulta ainda mais devido à quantidade de comunidades que precisam ser atendidas. Toda água tem que ser reaproveitada. Tomamos banho no balde, além de lavarmos vasilhas e roupas no Rio Jequitinhonha. É um descaso”.
Morador da cidade de Rubim, no Baixo Jequitinhonha, Júlio Cezar Pereira, possui uma propriedade rural e trabalha no Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Para ele, é difícil pôr em palavras a situação vivenciada com a seca. “As pessoas não têm noção do prejuízo. Perdemos lavouras, porque a água que recebemos é insuficiente até para as plantações. Vivemos medidas restritas até chegar o período chuvoso e encher nossos rios. Por isso, brigamos por recursos hídricos que facilitariam nossas vidas. No sindicato, já solicitamos cisternas de captação de água da chuva, que também podem ser abastecidas pelo próprio caminhão-pipa”.
Segundo ele, a região recebeu o auxílio de organizações comunitárias para implantação de reservatórios de água. “A Cáritas trouxe o Projeto Cisternas para o Vale. Antes, as famílias as ganhavam e elas eram construídas por pedreiros contratados daqui mesmo e os próprios moradores ajudavam. Algumas foram instaladas, mas, muitas pessoas ainda precisam delas”.
O agente da Cáritas Diocesana de Araçuaí, José Nelson, disse que a confederação faz parte da rede de Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA). “Temos prestado um serviço valioso para as famílias por meio da captação de água de chuva graças ao Projeto Cisternas. Construímos cisternas-calçadão, barreiro trincheira, barragem subterrânea e tanques de pedras para produção de alimentos”.
Ele acrescenta que esse trabalho foi feito com efetividade durante 15 anos. “Até 2018, atuamos nessas comunidades, auxiliando-as não só na questão da construção, mas também na da cidadania e política da água como um direito. Capacitamos famílias e pedreiros para construir tecnologias, porém, depois desse período, nossa atuação foi sendo diminuída”.
Desde 2003, os recursos para esses projetos são provenientes do governo federal por meio do Ministério de Desenvolvimento Social. “Chegamos a muitas famílias do semiárido, tanto que têm municípios que atendemos completamente com a primeira água, o que nós chamamos de universalização. Entretanto, a descontinuidade por parte do governo trouxe consequências com a chegada de Bolsonaro. Essa política ficou engavetada por falta de compromisso do governo em pautar o programa e direcionar a verba, já que os municípios não têm orçamento. O Vale é uma região rica, mas carente em relação à falta de investimentos por parte dos gestores públicos”.
A quem recorrer?
O Edição do Brasil entrou em contato com o Governo Estadual para entender sobre os investimentos feitos no Vale. Em nota, foi informado que o governo atua por meio do Programa Água Doce (PAD), que visa levar água de qualidade, própria para o consumo, a cerca de 30 mil pessoas no semiárido mineiro até o final de 2021, beneficiando 69 comunidades rurais na região.
“Para execução do programa, Minas Gerais conta com convênio com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), por meio do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SRHU), que visa aplicar a metodologia do PAD na recuperação, implantação e gestão de sistemas de dessalinização. O convênio possui valor global de R$ 15.449.809,76, sendo R$ 13.904.828,79 (valor MMA) e R$ 1.544.980,97 de contrapartida do Estado”.
A nota afirma ainda que equipes finalizaram, no fim de julho, atividades de campo para limpeza, recuperação, coleta de amostras de água, análise físico-químicas e bacteriológicas, além da caracterização em 138 poços tubulares nos municípios integrantes do PAD.
“Em etapa anterior do PAD foram elaborados 279 diagnósticos socioambientais e técnicos, em 53 municípios, o que culminou em um relatório propondo soluções alternativas para abastecimento, preservação e destinação de água. A próxima fase do PAD tem início com a confecção de 69 projetos executivos com análise de solo, regularização fundiária, regulamentação da outorga e licenciamento ambiental, o que possibilitará o início das obras de implantação dos sistemas de dessalinização em 69 comunidades rurais”.
Questionamos também a falta de atuação em parceria com o Projeto Cisternas. E, em resposta, os representantes disseram que ele diz respeito ao governo federal. Nossa reportagem entrou em contato com a Secretaria de Desenvolvimento Social do Governo Federal, mas até o fechamento desta edição, não obtivemos retorno.
Por que a região é seca?
O meteorologista Ruibran dos Reis esclarece que o Vale está sob domínio de um sistema meteorológico de alta pressão, que é o anticiclone do Atlântico Sul. “Ele atua entre o Brasil e a África, onde o ar sopra de cima para baixo, o que acaba dificultando a formação de nuvens que podem causar chuvas. Na região, elas começam em novembro e terminam no fim de fevereiro ou início de março. De abril a outubro, é o período seco”.
O meteorologista explica que existe uma tendência de piora com o aquecimento global e mudanças climáticas. “Com isso, a temperatura se eleva, tanto que, no ano passado, a máxima na região chegou a 44ºC, a maior já registrada desde 1910. Esse também é mais um motivo que contribui para que a chuva seja mal distribuída. Por esse motivo é importante a criação de outras medidas para captação de água a fim de assistir aos moradores da região”, conclui.