Estrela da música erudita em Minas Gerais, e uma das sopranos mais celebradas e elogiadas do país, Maria Lúcia Godoy faz no dia 2 de setembro 100 anos. Aclamada por ser uma das maiores divulgadoras da música brasileira, é a maior intérprete de Villa-Lobos e nossa expressão maior da música de câmara. Mesmo fora dos palcos e da vida social, Maria Lúcia é a grande inspiradora de inúmeros artistas na música nacional, de valor imensurável, não só pela trajetória repleta de glória e glamour.
O cantar de Maria Lúcia ecoa no horizonte, perpassando as imponentes altitudes de nossas montanhas. Quem não a ouviu cantar ao vivo, e contemplou sua beleza, serenidade e ademanes naturais, sua magnitude ao se apresentar para um público exigente e ávido da boa música! E a impecável dicção, e a voz maviosa fazem dela uma perfeita diva do bel canto.
Participou de inúmeros recitais e concertos. Pelo mundo foram várias turnês: Europa, Oriente Médio, Japão, Estados Unidos e vários países da América Central e do Sul. Foi solista com várias orquestras famosas, como a Philadelphia Orchestra e a Orquestra Sinfônica de Houston, e, naturalmente, a Orquestra Sinfônica Brasileira. Gravou dezesseis discos e o cd Acalantos, em 2016. Bidu Sayão, uma das maiores sopranos mundiais, considerou-a “sua única sucessora”.
Bonita por natureza em todos os aspectos, La Godoy, desde pequena, foi rodeada de poesia e canto; todos na sua casa cultivavam a música e o melhor da leitura. Publicou quatro livros infantis com temas ecológicos: Ninguém reparou na primavera, O boto cor-de-rosa, Fruta no pé e Um passarinho cantou. Escreveu por onze anos uma coluna no Estado de Minas, ligada à natureza, e teve participação especial nos filmes “Os senhores da terra”, 1970, de Paulo Thiago, “Navalha na carne”, 1997, de Neville d’Almeida (com Vera Fischer), e o documentário “Poeta de Sete Faces”, de 2002, de Paulo Thiago.
Formada em letras pela UFMG, estudou música com Honorina Prates, em Belo Horizonte, e Pasquale Gambardella, no Rio de Janeiro; aperfeiçoou-se na Alemanha. Recebeu vários prêmios, condecorações e homenagens, como o título de Doutor Honoris Causa pela UFMG. Participou de momentos marcantes da história pátria. Três deles: cantou em homenagem ao translado dos restos mortais de dom Pedro I ao Brasil, no Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa, 1972; cantou a Bachiana brasileira n. 5, de Villa-Lobos, nas exéquias do cineasta Glauber Rocha, 1981; e, a convite do presidente Juscelino Kubitschek, cantou na inauguração de Brasília, 1960.
Nasceu na cidade de Mesquita, no leste mineiro, filha de Romeu de Barros Godoy e Maria de Barros Brandão. Seus irmãos: Celso, Mauro, Amaury, Romeu, Gilberto e Rosa Alice (falecidos), Maria Thereza, Anna Maria e Maria Amélia. Tive o privilégio de ouvir muitas vezes Maria Lúcia, inclusive no Rio de Janeiro; na ocasião, aniversário do primo Luiz Gustavo, na Casa de Rui Barbosa. Ela era amiga e vizinha dos meus tios Antônio e Irene no Botafogo. Hoje sou seu vizinho, assim como das três irmãs. As últimas apresentações em público foram no Palácio das Artes, acompanhada por Túlio Mourão no piano e pelo seu sobrinho Celso Godoy ao violão, e na reinauguração do Teatro Francisco Nunes, em 2014, acompanhada por Daniel ao violão.
Drummond certa vez, desgostoso com a destruição das serras itabiranas, da serra do Curral, entre tantas outras, versou: “Lembrar as serras de Minas/devastadas, como dói!/ Mas me consolo se escuto/Maria Lúcia Godoy”.
Pelo seu centenário de nascimento, Maria Lúcia receberá homenagem da Assembleia Legislativa em sessão solene especial no dia 2 de setembro. Cantou de tudo e do melhor. Desde a música popular brasileira, modinhas imperiais e canto clássico.
E há muito mais que falar da arte de Maria Lúcia Godoy, a Diva da música erudita.