As Lojas Americanas, uma das maiores redes de varejo do Brasil, anunciou inconsistências contábeis no valor de R$ 20 bilhões em seu balanço patrimonial. No entanto, poucos dias depois, foi informado que a dívida total estava na casa dos R$ 40 bilhões. Um dos termos utilizados para definir o rombo da empresa foi a contabilidade criativa.
Segundo o professor Ives Alexandre Nunes, seria a tradução do gerenciamento de resultado. “É um artifício que as companhias adotam para poder mostrar uma imagem diferente da empresa, como a melhoria nos lucros e os números de endividamento. Ele está em uma linha tênue entre a fraude e técnicas para manipular os resultados”, ressalta.
Nunes diz que essa manobra pode partir da alta cúpula da organização para conseguir vantagens, tanto para empresa como para si próprio. “O gestor pode manipular os números para atrair novos investidores, conseguir mais crédito no mercado, reduzir o impacto das dívidas ou até mesmo obter uma compensação melhor nos resultados. O grande problema é quando ela se torna uma escolha contábil ou uma fraude”.
As Lojas Americanas ainda não divulgaram uma Demonstração Financeira (DF) com o verdadeiro valor do seu passivo. Na avaliação de Nunes, essa demora acaba gerando dúvidas sobre o que realmente aconteceu. “A rede varejista não declara nada, nem os auditores externos e os órgãos de controle. Tudo está no processo de investigação deixando margem se houve uma fraude ou um problema de interpretação em relação aos números. O pedido de recuperação judicial já foi aprovado, mas ainda não se sabe o que realmente ocorreu”.
Em audiência realizada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, no dia 28 de março, o novo CEO das Americanas, Leonardo Coelho Pereira, disse em seu depoimento que ainda não tem uma resposta concreta para o que aconteceu com a companhia e teria que esperar o resultado da auditoria. “Não posso dizer se foi um erro ou uma fraude, preciso esperar a investigação do comitê independente”.
Lei de recuperação judicial
Desde 2020 passou a vigorar, com novas regras, a Lei nº 14.112 que trata da recuperação judicial e de falência. Para o advogado Luís Felipe Spinelli, a mudança veio a trazer benefícios para os envolvidos. “Maior celeridade aos processos, deu mais segurança jurídica e buscou viabilizar a entrada de dinheiro”.
Sobre essa opção de fazer aportes na empresa, foi uma decisão dos acionistas de referência Jorge Paulo Lemann, Alberto Sicupira e Marcel Telles, que se comprometeram em emprestar R$ 10 bilhões na modalidade DIP (debtor-in-possession) a Lojas Americanas. Essa modalidade de empréstimo, segundo Spinelli, é permitida. “Existia um preconceito do sócio emprestar dinheiro para a companhia falida ou recuperação judicial e ser o último da fila a receber. Com a reforma na lei, o sócio se tornou o único a ter um incentivo a emprestar dinheiro a empresa”.