A pandemia chegou trazendo inúmeras incertezas. Se no começo a preocupação era com a saúde, agora é a crise econômica que tem tirado o sono dos brasileiros, conforme revela uma pesquisa feita pelo Instituto Travessia. Segundo o estudo, o impacto na vida financeira é citado por 37% dos entrevistados com renda de até dois salários mínimos, e por 33% daqueles com ganho superior.
Para o professor de economia Mathias Naganuma, os brasileiros com renda entre 2 e 5 salários são os que têm a crise econômica como maior aflição. “Essa sensação é justificada, especialmente, pelo fato de que o reajuste salarial não acompanhou o aumento da inflação. Sendo assim, a renda média per capita no país diminuiu em comparação ao valor do salário mínimo. Tudo isso prejudica muito mais aqueles que recebem entre 2 e 5 pagamentos”.
Ele acrescenta que diversos fatores levaram o país à crise. “Primeiramente, o isolamento social causado pela pandemia resultou em altos níveis de desemprego. Além disso, podemos citar o fim do auxílio emergencial, a instabilidade política interna e o impacto em cadeia na economia com o aumento do dólar, das commodities, políticas de governo na China e, agora, a guerra entre Rússia e Ucrânia”.
O head de investimentos Pedro Andrade conta ainda que o Brasil sofreu com a desvalorização do real. “Isso afeta os preços dos produtos manufaturados, pois importamos a maior parte dos nossos insumos e, também, a alta dos valores das commodities internacionais, como milho, trigo, boi e petróleo. Apesar de sermos produtores dessas matérias-primas, os custos no mercado interno precisam estar em linha com o preço negociado internacionalmente ou não vale a pena produzir, logo o consumidor sofre diretamente o efeito na conta do supermercado”.
A assessora de investimento Gabriele Couto conta que o Banco Central tem tomado medidas bem duras, como aumentar a taxa de juros, para tentar conter a inflação. “Ela, hoje, é a maior preocupação, tanto no mercado e economia interna, quanto global. Porém, é importante ressaltar que a crise não foi causada pela COVID-19, mas intensificada por ela. Para saná-la, é preciso muitos investimentos, o que pode não acontecer em curto prazo. Além disso, o cenário político, com as eleições se aproximando, tende a abalar ainda mais”.
Para Gabriele, é preciso inúmeras mudanças no cenário atual. “Dependeremos das eleições, bem como da proposta do novo governante eleito. É necessário ver se o plano de seu mandato prevê a industrialização e desburocratização para abertura de empresas e contratação de funcionários a fim de absorver o número de pessoas que estão em busca de um emprego”.
Ela reforça que a economia é cíclica e tende a ter altos e baixos. “Claramente estamos na baixa. E, por isso, é importante elaborar uma série de medidas, coisa que não está sendo feita. Neste sentido, o país se preocupa apenas com medidas populistas, pensadas em questões políticas e não econômicas. O que mostra que, infelizmente, para os próximos meses não podemos criar expectativas favoráveis”.
Andrade explica que o controle das finanças pessoais já é algo que pode contribuir para o cenário. “Nesse momento é fundamental reduzir os gastos e não se aventurar em empréstimos com juros abusivos, principalmente aquele que está mais à mão, o cartão de crédito, que pode rapidamente virar uma bola de neve incontrolável”.
Para Mathias, porém, não há como ser otimista, pois estamos no limite. “Em pesquisas realizadas, a grande massa da sociedade respondeu que a quantidade de comida por domicílio foi menor que a suficiente e, quando questionados sobre a percepção do aumento da fome, praticamente 90% dos entrevistados afirmaram que sim. Portanto, penso que seja difícil atravessar uma crise econômica quando um elemento básico como alimentação atinge à população tanto na prática como em seu psicológico”.