A juíza Pollyanna Alves, da 12ª Vara Federal Criminal de Brasília, arquivou a ação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do triplex do Guarujá. A decisão movimentou o cenário político e trouxe muitas dúvidas. A principal delas é: isso significa que Lula é inocente?
Para entendermos melhor sobre o caminho que levou o ex-presidente da prisão ao arquivamento, o Edição do Brasil conversou com o advogado e mestre em direito, Haroldo V. Baraúna Jr (foto).
Afinal, do que o ex-presidente Lula foi acusado?
Foram 19 investigações que se tornaram ações judiciais criminais. Além dos casos mais conhecidos (sítio de Atibaia, triplex do Guarujá, terreno do Instituto Lula e doações para o Instituto Lula), há outros menos noticiados pela mídia, tais como os casos envolvendo supostos desvios de valores por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de verbas por um suposto conluio entre o ex-presidente e o irmão dele e de valores decorrentes de palestras que ele teria dado.
De um modo geral, as acusações em todos os casos seguem na linha de que Lula teria beneficiado a si próprio ou terceiros com valores ou bens de forma ilícita quando ocupou a Presidência da República ou em virtude do cargo.
O caso do triplex foi arquivado. O que isso significa?
O chamado caso do triplex está no bojo das anulações por conduta parcial do juiz Sergio Moro. Ou seja, o processo foi parcialmente anulado e enviado ao juiz competente para prosseguimento (Vara Criminal de Brasília). Contudo, diante do decurso de tempo, nos últimos dias, o juiz de Brasília reconheceu que o crime prescreveu e determinou o encerramento e o arquivamento do processo.
Dito em outras palavras, a prescrição é a perda do direito do Estado de processar alguém criminalmente. É um benefício do acusado em decorrência da demora do aparato estatal na tramitação do processo.
É possível que voltem atrás nesse arquivamento?
A prescrição, uma vez reconhecida pelo juiz, não pode ser alterada. Isso é uma matéria legal, como dizemos no direito. Ou seja, encerrado o processo pela prescrição, ele se encerrou em definitivo.
Muitos especialistas da área dizem que o julgamento de Lula foi ilegal, assim como a condenação e prisão. Existem, de fato, falhas nos processos?
Primeiramente, precisamos ter como norte o processo relativo ao triplex do Guarujá, que foi julgado na primeira instância pela 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, presidida, à época, pelo ex-juiz Sergio Moro. Nele, especificamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que Moro agiu de forma parcial e em ajuste com o órgão acusador (Ministério Público Federal). Embora essa decisão, inicialmente, tenha sido para esse processo, posteriormente, a defesa de Lula pediu a extensão de seus efeitos para os outros julgamentos realizados pelo mesmo juiz, o que foi atendido pelo STF. Contudo, há outros que o STF determinou a anulação por conta de outro aspecto, denominado incompetência do juízo. Ou seja, definiu que o ex-presidente não poderia ser julgado pela 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, já que ela só teria atribuição legal para julgar questões relativas aos desvios praticados contra a Petrobras e nenhuma acusação contra Lula envolve a estatal. Há aqueles que atingiram a prescrição, isto é, não foi respeitado o prazo máximo para que o Estado processe o acusado. Quando isso ocorre, a prescrição é reconhecida pelo Poder Judiciário e o processo se encerra em definitivo.
O que precisa ser relembrado é que, em alguns, as questões formais foram decididas de maneira definitiva pelo STF. Ou seja, não cabe mais discutir se houve falhas ou vícios. Qualquer entendimento diverso exigiria o estudo analítico de cada caso e isso já foi feito pelo STF.
Aos poucos, Lula foi sendo inocentado das acusações. Como isso foi possível?
Não podemos confundir obtenção de uma sentença absolutória com decisões que invalidam no todo ou em parte processos por algum vício de forma (como ocorre com a incompetência da Vara Criminal de Curitiba ou a conduta parcial do então juiz). Vale dizer, Lula prosseguirá respondendo por aqueles em que não houve prescrição.
O sistema processual criminal em vigor no Brasil – e na maior parte do mundo – tem como princípios gerais a presunção de inocência (ou seja, o acusado não pode ser considerado culpado, salvo prova em contrário). Além do ônus da prova que recai sobre quem acusa (Ministério Público) e de que ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo sentença penal condenatória com trânsito em julgado.
O ex-presidente Lula obteve até aqui um conjunto de decisões que anulam, em todo ou em parte, os processos que sofreu. Mas, quanto aos que “sobreviveram”, novas sentenças virão. Nestes, Lula poderá ser condenado ou absolvido. E, se condenado, poderá recorrer ao tribunal local e às instâncias superiores. Ou seja, aqui estamos diante do exercício do direito de ampla defesa, que vem sendo praticado pelo ex-presidente por meio de seus advogados. Esse direito não socorre somente a Lula, mas a todos.
Em resumo, embora Lula não tenha obtido uma sentença de absolvição, ele é considerado tecnicamente inocente, já que não há sentença condenatória com trânsito em julgado contra ele.
Como esse cenário de acusação, condenação, prisão, inocência e arquivamento impactam no cenário político?
Os aspectos jurídicos e políticos caminham lado a lado. E, não raro, o sistema jurídico é utilizado para se obter ganhos políticos. Nesse contexto, basta imaginar que, provavelmente, o cenário das eleições de 2018 seria diferente caso o ex-presidente Lula estivesse na disputa. E não foi exatamente porque a decisão que lhe enviou à prisão foi proferida pelo então juiz (e possível candidato nas próximas eleições) Sergio Moro.
Mas, para o panorama mais próximo, ou seja, eleições de 2022, não se imagina algo que gere impacto semelhante. Basta observar que a data limite para o registro de candidaturas se encerra em 15 de agosto. Com base na chamada Lei da Ficha Limpa, Lula estaria fora da disputa apenas se tivesse contra si uma condenação com trânsito em julgado (ou seja, contra a qual não cabem mais recursos) ou, ainda, uma decisão proferida por órgão colegiado (normalmente, o tribunal de segunda instância) antes da data limite. No entanto, o andamento dos processos, que restaram contra o ex-presidente, não indica qualquer possibilidade razoável de que um desses dois fenômenos ocorra em tempo tão exíguo.