A Plan International Brasil, organização humanitária não governamental e sem fins lucrativos, lançou uma nova edição da pesquisa “Por Ser Menina no Brasil” e os dados apontam que 85,7% delas gostam de ser do sexo feminino, porém, 69,4% sentem que seus direitos são desrespeitados, exclusivamente, por serem meninas.
Ao todo, 94,2% delas já vivenciaram ou presenciaram uma situação de agressão. A análise ainda mostra que elas realizam o dobro de trabalhos domésticos que os meninos. Dentro de casa, sofrem violências física (30,7%), sexual (24,7%) e psicológica (29,5%), sendo que desse grupo, 25,9% não procuram ajuda.
Nesta entrevista, o gerente nacional de programas e incidência política da Plan International Brasil, Flavio Debique, fala mais sobre o assunto e acrescenta que é preciso valorizar as meninas em toda sua pluralidade, além de promover e gerar ambientes seguros e igualitários.
Quase 70% das meninas já tiveram seus direitos desrespeitados. A que você atribui isso?
As desigualdades de gênero começam muito cedo na vida das meninas. Essa mesma questão foi destacada na pesquisa de 2014, onde a faixa etária era ainda menor. Somado a isso, sabemos que nossa legislação, ainda que avançada, não se cumpre na sua totalidade. Elas percebem que a infância e a adolescência não são uma prioridade nas políticas públicas. Compreendem também uma diferença no tratamento que os meninos recebem em vários aspectos de suas vidas. Todas essas questões fazem com que as meninas identifiquem que há muito ainda a se fazer.
67% delas são precocemente responsabilizadas pelos serviços domésticos. Por que isso ocorre?
Um elemento importante nos achados da pesquisa é de que as tarefas domésticas ainda são uma carga para as mulheres. Mesmo que, ao longo do tempo, elas começaram a assumir outros papéis, esse nunca deixou de ser visto como responsabilidade feminina. Desde crianças, as meninas são socializadas para entender que essa é sua função. Ao contrário dos meninos, que não aprendem a olhar e valorizar o trabalho doméstico. Isso perpetua as desigualdades e aumenta a carga de trabalho de meninas e mulheres, gerando desequilíbrio.
Quase 100% das meninas já vivenciaram ou presenciaram uma situação de agressão. O que é preciso para mudar essa realidade?
A violência é presente na vida delas em todos os ambientes, seja em casa, na rua ou na escola. Precisamos intensificar uma cultura de paz e não agressão. A prevenção é sempre o melhor caminho. Mas, por outro lado, também é fundamental conscientizar as meninas, suas famílias e a escola sobre a importância de atuar e denunciar quando uma violência acontece. E, para ter uma efetividade, os serviços de proteção precisam funcionar, a vítima tem que ser protegida, acompanhada e os culpados punidos.
O estudo mostra também uma precariedade e falta de informação quando o assunto é a saúde feminina. Como reverter esse quadro?
O melhor caminho para isso é uma educação integral em sexualidade, que meninas e meninos tenham acesso à informação sobre as questões que afetam suas vidas em todas as áreas, inclusive, a saúde sexual, reprodutiva e menstrual, além das desigualdades de gênero. Ter conhecimento ajuda a se protegerem para atuar de forma responsável e consciente. Os serviços de saúde e a escola devem estar preparados para tratar esses temas de forma sensível e adequada. É importante aumentar o acesso, mas ele tem que ser de qualidade e amigável.
A pesquisa revelou que navegar na internet é ainda mais importante do que estudar. Esse é um cenário impactado pela pandemia?
A internet já é o principal lugar de socialização de adolescentes e jovens, mas é também onde se perpetuam os mesmos problemas que enfrentamos na vida fora das redes: violências, preconceitos, estigmas, fake news, etc. Contudo, é um mundo de possibilidades. Para isso, é necessário que nos preparemos para essa digitalização da vida, ou seja, torna-se importante uma educação digital e acessibilidade de qualidade para adolescentes e jovens. Além disso, é essencial o fortalecimento da legislação e que a internet não seja terra de ninguém, mas um espaço fiscalizado, onde todos os culpados por comentários ou ações erradas sejam responsabilizados.
Quais foram as principais conclusões desse estudo?
A de que precisamos valorizar as meninas em toda sua pluralidade e riqueza, além de promover e gerar ambientes seguros e igualitários. É urgente que nossas políticas públicas tenham em conta as questões de gênero e pensem em soluções para diminuir as desigualdades existentes. É preciso frear a espiral de violência, com políticas intersetoriais que abranjam escolas, a área da saúde e assistência, assim como segurança, etc.